Impressões de leitura
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quinta-feira, 27 de junho de 2013
Nehte Ufpe: ‘Não podemos ver o celular como inimigo’
Nehte Ufpe: ‘Não podemos ver o celular como inimigo’: POR VAGNER DE ALENCAR O uso dos dispositivos móveis é apontado por especialistas como uma modalidade de ensino-aprendizagem que aprov...
quinta-feira, 6 de junho de 2013
Declaração de males
Paulo
Mendes Campos
Ilmo. Sr. Diretor do Imposto de Renda.
Antes de tudo devo declarar que já estou, parceladamente, à venda.
Não sou rico nem pobre, como o Brasil, que também precisa de boa parte do meu dinheirinho.
Pago imposto de renda na fonte e no pelourinho.
Marchei em colégio interno durante seis anos mas nunca cheguei ao fim de nada, a não ser dos meus enganos.
Fui caixeiro. Fui redator. Fui bibliotecário.
Fui roteirista e vilão de cinema. Fui pegador de operário.
Já estive, sem diagnóstico, bem doente.
Fui acabando confuso e autocomplacente.
Deixei o futebol por causa do joelho.
Viver foi virando dever e entrei aos poucos no vermelho.
No Rio, que eu amava, o saldo devedor já há algum tempo que supera o saldo do meu amor.
Não posso beber tanto quanto mereço, pela fadiga do fígado e a contusão do preço.
Sou órfão de mãe excelente.
Outras doces amigas morreram de repente.
Não sei cantar. Não sei dançar.
A morte há de me dar o que fazer até chegar.
Uma vez quis viver em Paris até o fim, mas não sei grego nem latim.
Acho que devia ter estudado anatomia patológica ou pelo menos anatomia filológica.
Escrevo aos trancos e sem querer e há contudo orgulhos humilhantes no meu ser.
Será do avesso dos meus traços que faço o meu retrato?
Sou um insensato a buscar o concreto no abstrato.
Minha cosmovisão é míope, baça, impura, mas nada odiei, a não ser a injustiça e a impostura.
Não bebi os vinhos crespos que desejara, não me deitei sobre os sossegos verdes que acalentara.
Sou um narciso malcontente da minha imagem e jamais deixei de saber que vou de torna-viagem.
Não acredito nos relógios... the pule cast of throught... sou o que não sou (all that I am I am not).
Podia ter sido talvez um bom corredor de distância: correr até morrer era a euforia da minha infância.
O medo do inferno torceu as raízes gregas do meu psiquismo e só vi que as mãos prolongam a cabeça quando me perdera no egotismo.
Não creio contudo em myself.
Nem creio mais que possa revelar-me em other self.
Não soube buscar (em que céu?) o peso leve dos anjos e da divina medida.
Sou o próprio síndico de minha massa falida.
Não amei com suficiência o espaço e a cor.
Comi muita terra antes de abrir-me à flor.
Gosto dos peixes da Noruega, do caviar russo, das uvas de outra terra; meus amores pela minha são legião, mas vivem em guerra.
Fatigante é o ofício para quem oscila entre ferir e remir.
A onça montou em mim sem dizer aonde queria ir.
A burocracia e o barulho do mercado me exasperam num instante.
Decerto sou crucificado por ter amado mal meu semelhante.
Algum deus em mim persiste
mas não soube decidir entre a lua que vemos e a lua que existe.
Lobisomem, sou arrogante às sextas-feiras, menos quando é lua cheia.
Persistirá talvez também, ao rumor da tormenta, algum canto da sereia.
Deixei de subir ao que me faz falta, mas não por virtude: meu ouvido é fino e dói à menor mudança de altitude.
Não sei muito dos modernos e tenho receios da caverna de Platão: vivo num mundo de mentiras captadas pela minha televisão.
Jamais compreendi os estatutos da mente.
O mundo não é divertido, afortunadamente.
E mesmo o desengano talvez seja um engano.
Texto extraído do livro "O amor acaba", Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 1999, pág. 259, organização de Flávio Pinheiro.
domingo, 8 de julho de 2012
Caso do Vestido - Carlos Drummond de Andrade
Adoro esse poema!!!
Nossa mãe, o que é aquele
vestido, naquele prego?
vestido, naquele prego?
Minhas filhas, é o vestido
de uma dona que passou.
de uma dona que passou.
Passou quando, nossa mãe?
Era nossa conhecida?
Era nossa conhecida?
Minhas filhas, boca presa.
Vosso pai evém chegando.
Vosso pai evém chegando.
Nossa mãe, dizei depressa
que vestido é esse vestido.
que vestido é esse vestido.
Minhas filhas, mas o corpo
ficou frio e não o veste.
ficou frio e não o veste.
O vestido, nesse prego,
está morto, sossegado.
está morto, sossegado.
Nossa mãe, esse vestido
tanta renda, esse segredo!
tanta renda, esse segredo!
Minhas filhas, escutai
palavras de minha boca.
palavras de minha boca.
Era uma dona de longe,
vosso pai enamorou-se.
vosso pai enamorou-se.
E ficou tão transtornado,
se perdeu tanto de nós,
se perdeu tanto de nós,
se afastou de toda vida,
se fechou, se devorou,
se fechou, se devorou,
chorou no prato de carne,
bebeu, brigou, me bateu,
bebeu, brigou, me bateu,
me deixou com vosso berço,
foi para a dona de longe,
foi para a dona de longe,
mas a dona não ligou.
Em vão o pai implorou.
Em vão o pai implorou.
Dava apólice, fazenda,
dava carro, dava ouro,
dava carro, dava ouro,
beberia seu sobejo,
lamberia seu sapato.
lamberia seu sapato.
Mas a dona nem ligou.
Então vosso pai, irado,
Então vosso pai, irado,
me pediu que lhe pedisse,
a essa dona tão perversa,
a essa dona tão perversa,
que tivesse paciência
e fosse dormir com ele...
e fosse dormir com ele...
Nossa mãe, por que chorais?
Nosso lenço vos cedemos.
Nosso lenço vos cedemos.
Minhas filhas, vosso pai
chega ao pátio. Disfarcemos.
chega ao pátio. Disfarcemos.
Nossa mãe, não escutamos
pisar de pé no degrau.
pisar de pé no degrau.
Minhas filhas, procurei
aquela mulher do demo.
aquela mulher do demo.
E lhe roguei que aplacasse
de meu marido a vontade.
de meu marido a vontade.
Eu não amo teu marido,
me falou ela se rindo.
me falou ela se rindo.
Mas posso ficar com ele
se a senhora fizer gosto,
se a senhora fizer gosto,
só pra lhe satisfazer,
não por mim, não quero homem.
não por mim, não quero homem.
Olhei para vosso pai,
os olhos dele pediam.
os olhos dele pediam.
Olhei para a dona ruim,
os olhos dela gozavam.
os olhos dela gozavam.
O seu vestido de renda,
de colo mui devassado,
de colo mui devassado,
mais mostrava que escondia
as partes da pecadora.
as partes da pecadora.
Eu fiz meu pelo-sinal,
me curvei... disse que sim.
me curvei... disse que sim.
Sai pensando na morte,
mas a morte não chegava.
mas a morte não chegava.
Andei pelas cinco ruas,
passei ponte, passei rio,
passei ponte, passei rio,
visitei vossos parentes,
não comia, não falava,
não comia, não falava,
tive uma febre terçã,
mas a morte não chegava.
mas a morte não chegava.
Fiquei fora de perigo,
fiquei de cabeça branca,
fiquei de cabeça branca,
perdi meus dentes, meus olhos,
costurei, lavei, fiz doce,
costurei, lavei, fiz doce,
minhas mãos se escalavraram,
meus anéis se dispersaram,
meus anéis se dispersaram,
minha corrente de ouro
pagou conta de farmácia.
pagou conta de farmácia.
Vosso pais sumiu no mundo.
O mundo é grande e pequeno.
O mundo é grande e pequeno.
Um dia a dona soberba
me aparece já sem nada,
me aparece já sem nada,
pobre, desfeita, mofina,
com sua trouxa na mão.
com sua trouxa na mão.
Dona, me disse baixinho,
não te dou vosso marido,
não te dou vosso marido,
que não sei onde ele anda.
Mas te dou este vestido,
Mas te dou este vestido,
última peça de luxo
que guardei como lembrança
que guardei como lembrança
daquele dia de cobra,
da maior humilhação.
da maior humilhação.
Eu não tinha amor por ele,
ao depois amor pegou.
ao depois amor pegou.
Mas então ele enjoado
confessou que só gostava
confessou que só gostava
de mim como eu era dantes.
Me joguei a suas plantas,
Me joguei a suas plantas,
fiz toda sorte de dengo,
no chão rocei minha cara,
no chão rocei minha cara,
me puxei pelos cabelos,
me lancei na correnteza,
me lancei na correnteza,
me cortei de canivete,
me atirei no sumidouro,
me atirei no sumidouro,
bebi fel e gasolina,
rezei duzentas novenas,
rezei duzentas novenas,
dona, de nada valeu:
vosso marido sumiu.
vosso marido sumiu.
Aqui trago minha roupa
que recorda meu malfeito
que recorda meu malfeito
de ofender dona casada
pisando no seu orgulho.
pisando no seu orgulho.
Recebei esse vestido
e me dai vosso perdão.
e me dai vosso perdão.
Olhei para a cara dela,
quede os olhos cintilantes?
quede os olhos cintilantes?
quede graça de sorriso,
quede colo de camélia?
quede colo de camélia?
quede aquela cinturinha
delgada como jeitosa?
delgada como jeitosa?
quede pezinhos calçados
com sandálias de cetim?
com sandálias de cetim?
Olhei muito para ela,
boca não disse palavra.
boca não disse palavra.
Peguei o vestido, pus
nesse prego da parede.
nesse prego da parede.
Ela se foi de mansinho
e já na ponta da estrada
e já na ponta da estrada
vosso pai aparecia.
Olhou pra mim em silêncio,
Olhou pra mim em silêncio,
mal reparou no vestido
e disse apenas: — Mulher,
e disse apenas: — Mulher,
põe mais um prato na mesa.
Eu fiz, ele se assentou,
Eu fiz, ele se assentou,
comeu, limpou o suor,
era sempre o mesmo homem,
era sempre o mesmo homem,
comia meio de lado
e nem estava mais velho.
e nem estava mais velho.
O barulho da comida
na boca, me acalentava,
na boca, me acalentava,
me dava uma grande paz,
um sentimento esquisito
um sentimento esquisito
de que tudo foi um sonho,
vestido não há... nem nada.
vestido não há... nem nada.
Minhas filhas, eis que ouço
vosso pai subindo a escada.
vosso pai subindo a escada.
Texto extraído do livro "Nova Reunião - 19 Livros de Poesia", José Olympio Editora - 1985, pág. 157.
sábado, 30 de junho de 2012
Cilada verbal - Afonso Romano de Santana
Há vários modos de
matar um homem:
com o tiro, a fome
a espada
ou com a palavra
- envenenada.
Não é preciso força.
Basta que a boca solte
a frase engatilhada
e o outro morre
- na sintaxe da
emboscada.
terça-feira, 26 de junho de 2012
POEMARGENS: Fernando Pessoa
POEMARGENS: Fernando Pessoa: A Minha Vida é um Barco Abandonado A minha vida é um barco abandonado Infiel, no ermo porto, ...
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