quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Receita de ano novo - Carlos Drummond de Andrade



Gosto muito desse texto.Para mim ele é sempre muito atual. Confiram!


Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Disponível em: http://www.revista.agulha.com.br/ . Acesso em: 22.12.2010

Organiza o Natal - Carlos Drummond de Andrade


Ah! Seria ótimo se os sonhos do poeta se transformassem em realidade.


Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom.

Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.

Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.

A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.

A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.
Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.

O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.

Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.
A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.

O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.
E será Natal para sempre.


Texto extraído do livro "Cadeira de Balanço", Livraria José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 52.


sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

CANÇÃO DA ALMA CAIADA

Aprendi desde criança
Que é melhor me calar
E dançar conforme a dança
Do que jamais ousar


Mas às vezes pressinto
Que não me enquadro na lei:
Minto sobre o que sinto
E esqueço tudo o que sei.


Só comigo ouso lutar,
Sem me poder vencer:
Tento afogar no mar
O fogo em que quero arder.


De dia caio minh'alma
Só à noite caio em mim
por isso me falta calma
e vivo inquieto assim.

Disponível em: http://www2.uol.com.br/antoniocicero/ Aesso em: 16.12.2010

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Mais um tabu cai por terra no câncer de mama

Sempre li matérias sobre saúde. Agora estou mais atenta. Tb irei publicá-las aqui.

sex, 10/12/10 por luisfernandocorreia categoria Saúde em foco

Caiu por terra o tabu de que as mulheres operadas para câncer de mama não devem fazer musculação ou carregar peso.Durante muito tempo essas pacientes tinham medo do inchaço que as atividades causariam no braço do lado operado. Esse inchaço, que é o linfedema, é um efeito colateral bastante comum desse tipo de tratamento. A causa é a dificuldade de circulação da linfa, liquido que corre entre os linfonodos. A cirurgia de tratamento do tumor de mama algumas vezes envolve a retirada desses linfonodos para detecção e prevenção de metástases. Além do inchaço, o linfedema traz desconforto e dor, daí as mulheres que passaram pelo tratamento evitam utilizar esse braço nas atividades do dia-a-dia.Especialistas da Universidade da Pennsilvania comprovaram que não há necessidade de preocupação e que as pacientes podem e devem ter uma vida completamente normal, inclusive fazendo musculação. A pesquisa comparou 2 grupos de mulheres submetidas a cirurgia para câncer de mama com retirada de linfonodos.

Um fez musculação por um ano com aumento progressivo da carga de peso no braço operado e outro não fez atividades desse tipo.

Após o período de treinamento as pacientes foram comparadas. O aparecimento do inchaço foi pouco freqüente e semelhante nos 2 grupos e o que treinou ainda ganhou os benefícios de se fazer exercícios regularmente.

Esse trabalho se soma a outro publicado em 2009 na revista New England Journal of Medicine com resultados semelhantes.

Portanto as mulheres que passaram por cirurgia para câncer de mama com retirada de linfonodos não precisam poupar o braço do lado operado e fazer musculação e carregar pesos normalmente no dia-a-dia, tudo isso com bom senso e orientação profissional.
O trabalho está publicado na edição dessa semana da revista Journal of American Medical Association e o artigo original está no blog do saúde em foco na página da CBN.

Evidências científicas haviam sido publicadas em 2009 com um trabalho publicado na revista New England Journal of Medicine.

Por tudo isso a musculação sempre foi evitada pelas pacientes no pós-tratamento.
A atividade física traz benefícios físicos e psíquicos comprovados na recuperação dessas pacientes.

A pesquisa publicada mostra que a musculação também pode fazer parte de rotina de atividades na academia.

Foram mais de 140 mulheres que haviam sido submetidas ao tratamento para câncer de mama.

Metade delas recebeu um ano de academia e entraram em um programa de treinamento com musculação orientada por professores orientados para o problema.

O programa envolvia duas sessões de treinamento por semana com musculação para todo o corpo, exercícios cardiovasculares e alongamento.

O único cuidado especial com as participantes era a utilização de uma malha compressiva feita sob medida para evitar o inchaço.

A circunferência do braços era medida a cada sessão de treinos. Após um ano de exercícios as participantes do grupo da academia tinham 5% menos problemas com inchaço e linfedema.

Os pesquisadores apontam para a necessidade de que os professores de educação física estejam preparados para atender as mulheres que precisaram se submeter ao tratamento para câncer.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

PARA QUE SERVEM OS HOMENS - Fabrício Carpinejar

Fazia tempo que não dava boas gargalhadas lendo um texto. Adoro as crônicas do Carpinejar. Para mim ele é simplesmente sensacional!!! Confiram!



Meu pai saiu de casa quando tinha sete anos. E entrei em pânico.

Atormentado de coração. Porque a mãe só reclamava que não havia mais ninguém em casa para matar baratas.

Não lamentou o fim do casamento de três décadas, a despedida brusca, e sim o término da proteção contra o esgoto.

Pensava que o pai era um inseticida. Logo contraí saudade de seus olhos brilhantes de naftalina.

Assumiria a tarefa masculina da residência. Algo muito precoce, recém havia me acostumado a usar calça comprida. O mesmo que sustentar a família antes de entrar para a escola.

O duelo prometia. Na minha infância, as baratas experimentaram uma fase transgênica, de helicóptero. Balofas, imensas, crespas e voadoras. Acho que encontravam comida com excessiva facilidade (não varríamos bem o chão?), a questão é que pareciam ratazanas escuras nas costas de morcegos. Saltavam de um lado para outro. Planavam longamente. Com suas antenas delirantes, representavam a televisão 29 polegadas da época.

Eu não podia confessar que sentia nojo. Na primeira vez que ouvi o grito da mãe, ela me entregou seu chinelo havaiana azul 36 e me lançou ao batismo: “Mata rápido!”. Não contei com preparação psicológica nem fiz estágio com formigas.

O animal estava escondido na máquina de lavar. Persegui sua sombra, respirando pela boca. Meus cílios também se mexiam como patas.

O negócio é que não bati o chinelo com firmeza no piso, arremessei longe e a barata desapareceu na favela dos cascos de refrigerante.

A mãe não escondeu a decepção. Fechamos a cozinha por um dia, almoçamos e jantamos fora, tudo minha culpa. Deixei de crescer três centímetros devido àquela manhã de fracasso.

Já adulto, mato baratas sem piedade. Lamento que não recuperei o atrasado, seria mais vistoso com 1m80cm.

Talvez tenha adquirido o respeito de minha mulher. Ela também esperneia e solta gritinhos. Não compreendo porque ela sempre sobe no colchão quando vê uma barata. Seu susto brinca de cama elástica. Vou lá e resolvo a pendência com rapidez. Virei um justiceiro implacável e de sangue frio. Esmago a baranga e limpo com papel higiênico.

Gostaria que Cínthya matasse baratas em nome das mulheres do mundo. Mas sei que não posso confiar em mulheres que matam baratas. Fiquei satisfeito quando ela pegou uma mosca com as mãos. E comprimiu os dedos com a pupila tremendamente malévola. Foi uma atitude ninja, de reflexo judoca.

Na verdade, aquilo me deu mais medo do que de minha mãe. Ela me humilhou, eu que mal conseguia apanhar mosquitos. Não pretendo medir minha altura de novo.

Publicado no jornal Zero Hora
Segundo Caderno, coluna quinzenal, p. 3, 06/12/2010
Porto Alegre (RS), Edição N° 16541

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Poema aos amigos - Jorge Luis Borges

Não posso dar-te soluções
Para todos os problemas da vida,
Nem tenho resposta
Para as tuas dúvidas ou temores,
Mas posso ouvir-te
E compartilhar contigo.

Não posso mudar
O teu passado nem o teu futuro.
Mas quando necessitares de mim
Estarei junto a ti.


Não posso evitar que tropeces,
Somente posso oferecer-te a minha mão
Para que te sustentes e não caias.

As tuas alegrias
Os teus triunfos e os teus êxitos
Não são os meus,
Mas desfruto sinceramente
Quando te vejo feliz.

Não julgo as decisões
Que tomas na vida,
Limito-me a apoiar-te,
A estimular-te
E a ajudar-te sem que me peças.

Não posso traçar-te limites
Dentro dos quais deves atuar,
Mas sim, oferecer-te o espaço
Necessário para cresceres.

Não posso evitar o teu sofrimento
Quando alguma mágoa
Te parte o coração,
Mas posso chorar contigo
E recolher os pedaços
Para armá-los novamente.


Não posso decidir quem foste
Nem quem deverás ser,
Somente posso
Amar-te como és
E ser teu amigo.

Todos os dias, penso
Nos meus amigos e amigas,
Não estás acima,
Nem abaixo nem no meio,
Não encabeças
Nem concluís a lista.
Não és o número um
Nem o número final.

E tão pouco tenho
A pretensão de ser
O primeiro
O segundo
Ou o terceiro
Da tua lista.
Basta que me queiras como amigo
Dormir feliz.
Emanar vibrações de amor.
Saber que estamos aqui de passagem.
Melhorar as relações.
Aproveitar as oportunidades.
Escutar o coração.
Acreditar na vida.

Obrigado por seres meu amigo.