A leitura traz ao homem plenitude, o discurso segurança e a escrita exactidão.
Francis BaconEsse blog tem por objetivo registrar leituras, publicar artigos, resumos, fotos e imagem.
segunda-feira, 30 de abril de 2012
domingo, 29 de abril de 2012
Muito bom esse texto sobre leitura e qualidade do ensino. Recomendo a leitura
Leitura e qualidade do ensino
Leitura e qualidade do ensino
Por María Beatriz Medina
María Beatriz Medina nasceu na
Venezuela. Formada em letras, autora, mediadora, pesquisadora na área de
leitura y literatura infantil, professora, e consultora. Atualmente participa
da Comissão Executiva do Banco del Libro, é presidente da filial venezuelana do
IBBY e membro do Conselho de Sinergia, uma rede de associações da sociedade
civil venezuelana.
Quando recebi o convite para
refletir sobre leitura e qualidade de ensino, me posicionei a partir do ponto
de vista de meu trabalho como promotora de leitura. E desse lugar me aproximei
do tema, agradecendo o convite, pois tais reflexões nos permitem tomar
distância e pensar sobre o que fazemos e como fazemos.
O engate inicial com essa
temática começou a se delinear a partir do que já trazíamos dentro dos alforjes,
como mediadores preocupados em formar um sujeito leitor independente, crítico e
cidadão responsável. Isto é, o desideratum implícito – ainda que no discurso –
presente em todos os espaços de promoção de leitura e, principalmente, na
escola.
Parecia fácil. Comecei fazendo um
balanço das possibilidades que a leitura oferece por e para a formação, mas no
caminho comecei a perceber – uma vez mais – que aproximar-se da leitura e do
trabalho de formar leitores é uma tarefa árdua, se avaliada pelas dimensões da
busca e pelo fio da evolução de um conceito sempre em reformulação.
I. Do que estamos
falando quando falamos em leitura?
Não podemos dizer que
compartilhamos do mesmo conceito de leitura revisto e transformado por
motivações ideológicas e pedagógicas e matizado por contribuições de concepções
sociolinguísticas e socioculturais de diferentes naturezas. Hoje em dia,
inclusive, se cai muitas vezes no erro de considerar que ler é simplesmente a
habilidade de decifrar signos, quando o ato de ler vai muito além deste
deciframento.
A leitura é acumulativa e propõe
sempre um diálogo entre o leitor e os códigos verbais e não verbais, que se
transforma em um espaço de elaboração e de construção de um ser social e
individual. A leitura é, antes de tudo, um ato comunicacional e – por isso –
uma prática social que entrelaça o texto escrito e o uso da linguagem. Quando
nos aproximamos com atenção da prática leitora, ou do uso da leitura dos textos
escritos, podemos percebê-la como uma prática social vital, situada na interação
pessoal.
David Barton e Mary Hamilton, no
texto “La literacidad entendida como práctica social”, consideram que a leitura
é capaz de “dar sentido às vidas por meio das práticas cotidianas”.
Não se trata de uma referência
casual, pois aqueles que como eu trabalham em projetos de promoção de leitura
podem constatar que a leitura dá sentido à vida, não apenas nas práticas
cotidianas, mas em situações difíceis, em que a ficção ou a metáfora se
transformam em ferramentas de exceção “para ler o entorno e interpretar a
realidade”. Por isso é necessário formar leitores como habitantes do mundo,
parafraseando Daniel Goldin.
Mas a leitura funciona também
como uma estratégia para o ensino, ainda que tenhamos que evitar o perigo de
cair no reducionismo instrumental ao considerá-la apenas uma ferramenta para o
desenvolvimento de competências que se identificam com a compreensão das
estruturas lógicas para apreender de qualquer maneira um texto proposto.
II. Para que formar
leitores?
O tema da formação de leitores
está relacionado ao tipo de cidadão que queremos. Sem sombra de dúvidas,
aspiramos a um leitor crítico, capaz de se posicionar no mundo, um leitor que
transcenda o mero deciframento e seja capaz de abordar a leitura informativa e
estética, enfrentando o texto, questionando-o, sentindo-o.
A palavra escrita e a leitura nos
ajudam a criar espaços para o desenvolvimento e a transformação individual e
social, uma vez que a experiência estética abarca a vastidão de nossa
contraditória condição humana e estabelece pontes com a realidade na qual
estamos submersos. Ela faz isto, claro está, de maneira metafórica e abstrata,
para possibilitar o desenvolvimento do ser social.
III. Quem é o responsável pela formação de leitores?
O Estado, sem dúvida. Ele é o
centro decisivo na hora da formulação, orientação e coordenação das políticas
públicas de leitura. Formar leitores exige o compromisso do Estado e uma sólida
articulação de distintas esferas da vida social: em primeiro lugar a escola, a
biblioteca, as organizações sociais que trabalham com a leitura e a indústria
do livro.
A formação de leitores, cabe
frisar, é uma pratica ancorada em solidas premissas sobre a leitura, tais como:
Constitui-se num elemento
inevitável na hora de educar para a vida democrática e participativa.
É um espaço para a formação do
cidadão responsável.
Transforma-se na “ferramenta” do
desenvolvimento de seres autônomos e críticos.
É uma bússola que orienta no
campo da informação e leva ao conhecimento.
Somos obrigados a levar em conta
as necessidades do contexto. Pois é justamente quando o contexto se faz
presente, o momento em que começam a sucumbir as certezas destas e de outras
premissas; isto porque a prática nos demonstra a saciedade da condição
modificadora da realidade.
III. Voltando ao tema que nos interessa: Leitura e qualidade
do ensino.
Em uma primeira aproximação,
vemos uma equação direta que deveria nos levar a fechar questões acerca do
trabalho contínuo e sustentado de formação de leitores em todos os espaços que
assumem esta tarefa. Obviamente, a escola não é uma exceção.
No entanto, para que essa equação
se faça realidade, é necessário assumir a leitura como um elemento vital de
desenvolvimento humano e promover, ao mesmo tempo, a internacionalização de uma
verdadeira valorização dessa prática.
É tarefa dos docentes articular
caminhos que deixem inequívoca a condição essencial da leitura para o ser
humano e abram as comportas para a multiplicidade de possibilidades que oferece
ao leitor como ferramenta para a comunicação e a experiência docentes.
IV. Como conseguir
isso na prática?
1. Em primeiro lugar, repetirei
uma máxima: criando dentro da escola espaços e tempos de leitura de uma grande
variedade de textos. Isto é, propiciando em espaços leitores e bibliotecas
escolares o encontro com textos de diferentes formatos, alinhados com os
objetivos escolares e assumindo a leitura como condição essencial para o
desenvolvimento pessoal e social, como centro das práticas educativas (no
plural) e como eixo transversal.
Uma prática que implique na
intenção de construir um marco do fazer educativo em afinidade com as correntes
contemporâneas teóricas e práticas, por meio de um leque de opções leitoras que
se transforma no ponto de encontro de inclinações e preferências temáticas.
2. Cabe-nos, portanto, reverter o
lema da descolarizacão que nós, promotores de leitura, temos defendido, uma vez
que boa parte das práticas escolares tinham desterrado a condição prazerosa que
as primeiras aproximações com a leitura exigem, isto em nome do “trabalhoso
prazer de ler”, que promove esse tropeçar com a linguagem escrita, “com as suas
ambiguidades e entonações”. Hoje em dia não é mais suficiente escutar a
narração do conto, é preciso “tê-lo lido, isto é olhá-lo como uma forma e
transitá-lo, palmo a palmo, como quem percorre um terreno minado” – como afirma
María Fernanda Palácios. A literatura é, dentre todos os textos escritos, um
recurso de exceção para o desenvolvimento da leitura. María Eugenia Dubois
afirma que o “Sistema educativo em geral nunca levou em conta a transcendência
de ler desde uma postura estética: evocando imagens, recordações, sentimentos,
emoções. A leitura se estuda na escola como algo à margem, que está fora de nós
mesmos para ser carregado, levado, recordado, mas não vivido, sentido.”
E é assim porque a literatura põe
à prova nossa visão ordinária das coisas, e questiona nossos preconceitos.
Permite ao homem, pegando emprestadas as palavras de Stevenson “chegar a
compreender que não tem sistematicamente razão, e que aqueles de quem discorda
não estão sempre absolutamente equivocados.”
3. Reivindicar a literatura
dentro da escola. O que implica a “criação de um itinerário de leitura por
parte dos docentes que permita às novas gerações transitar para as
possibilidades de compreensão do mundo e desfrutar para a vida que a literatura
abre”, como diz Teresa Colomer na introdução de Andar entre livros.1
Traçar, então, um itinerário de
leitura, que depurado, decantado, maduro, permite uma experiência de mudança
pessoal e social na qual cada um pode se reconhecer ou não. A escola não pode
se isolar do contexto social no momento de estabelecer os objetivos de ensino,
seus conteúdos e a maneira de transmiti-los.
Nessa aceitação transversal da
leitura é preciso sustentar, em primeiro lugar, a leitura estética que nos leva
a enfrentar os desafios das estruturas mentais e abre brechas na consciência do
leitor, o que pode nos distanciar da literariedade.
Com isso não se quer dizer
excluir a leitura informativa, apenas que o itinerário do leitor se afirma
desde uma aproximação estética para abrir as comportas da compreensão textual
que deriva de outros tipos de texto que dinamizam o aprendizado.
4. Criar as condições para um
verdadeiro trabalho em rede, que tem se limitado a ser apenas anunciado, como
podemos comprovar na prática com frequência. Um trabalho no contexto de
políticas de leitura e escrita educativas, em torno das quais se articulam as
estratégias interdisciplinares que fomentam a competência discursiva na aula.
5. Formar o docente como leitor,
como conhecedor das propostas textuais estéticas e informativas e envolver a
família no processo. Essas ações se dirigem, principalmente, às crianças e
jovens em processo de formação. É precisamente para esse destinatário que a
articulação se faz necessária. A escola e a família constituem instituições
básicas de qualquer formulação de planos integrais de leitura; daí o trabalho
de sensibilização e capacitação de pais e professores se convertem em etapas
inevitáveis em programas dessa natureza.
Enfim, estamos diante de um
itinerário possível, que ganha sentido apenas a partir de uma verdadeira
valorização da leitura que nos conecte com a realidade através da palavra que
tudo contém e que é, principalmente, uma forma de interagir com a realidade, de
reinterpretá-la. Assim, a leitura se constitui – tomando emprestada uma
expressão dos pescadores da costa oriental da Venezuela – num cabo de terra.
TRADUÇÃO: DOLORES PRADES
* Texto apresentado no Encontro de Leitura e Qualidade do
ensino, organizado pela OEI e a Fundação SM, em Bogotá, novembro de 2009.
1 Colomer, Teresa. Andar entre livros. São Paulo: Global,
2007.
Bibliografia citada:
Agenda de políticas públicas sobre o livro e a edição,
CERLALC.
Caraballo, Darwin; Pífano Clementina; Medina, María Beatriz.
Consultora: María Elena Zapata. Libros para niños y jóvenes. Documentos de
trabajo de Desarrollo Social – Educación. Caracas: Corporación Andina de
Fomento, 2005.
Chartier, Anne-Marie. Enseñar a leer y escribir: una
aproximación histórica. Espacios para la lectura. México: Fondo de Cultura
Económica, 2004.
Larrosa, Jorge. La experiência de la lectura: espacios para
la lectura. México: Fondo de Cultura Económica, 2003.
Palácios, Maria Fernanda. Cuentos para volar: 10 relatos
venezolanos para celebrar un doble aniversario. Caracas: Producto, 2002.
Rosenblatt, Louise M. La experiencia de la lectura: espacios
para la lectura. México: Fondo de Cultura Económica, 2002.
Disponível em: http://www.revistaemilia.com.br.
Acesso em: 28.04.2012
terça-feira, 17 de abril de 2012
Excelente esse texto de Sírio Possenti sobre a polêmica envolvendo a retirada do dicionário Houaiss do mercado.
LIMPAR LIVROS? NOTA SOBRE DICIONÁRIOS
Há alguns dias se debate (não muito, claro) uma ação do Ministério Público de Uberlândia "contra" o dicionário Houaiss, por registrar acepções pejorativas da palavra "cigano". É mais uma atitude equivocada regida pela doutrina do politicamente correto, tão relevante em algumas ocasiões, tão mal compreendida em tantas outras.
Diversas manifestações bastante óbvias tentaram fazer com que o representante do MP entenda que dicionário é apenas o registro mais ou menos completo das palavras e de seus sentidos. Dicionário não inventa palavras; não inventa os sentidos das palavras; não incentiva uso de palavras em sentidos desabonadores (ou não); não condena palavras nem sentidos. Dicionário não ensina (a não ser indiretamente ortografia e sentidos de palavras até então desconhecidas). O que não quer dizer que seja "neutro", elaborado por marcianos ou anjos sem interesse ideológico. Sempre terá que tomar decisões – como outras tantas publicações nas áreas da economia, da política, da história, da ecologia, da religião…
Mas, se for bom, minimamente bom, anota as palavras atestadas e seus sentidos mais ou menos duradouros ou datados. Por exemplo, fui ao dicionário (Houaiss!) para saber se o emprego de "albergar", que aparece em citação na ação do Dr. Cléber Eustáquio Neves é adequado ou se é uma dessas manias estilísticas dos juristas: "o direito à liberdade de expressão não pode albergar posturas preconceituosas e discriminatórias, sobretudo quando caracterizadas como infração penal". O sinônimo mais próximo que achei foi "abrigar". Que já é uma metáfora das boas.
Na minha infância, por razões que não vêm ao caso, tive experiências razoavelmente significativas com ciganos, que, passando por Arroio Trinta, acampavam perto de nossa casa e nos visitavam para negócios diversos: comprar comida, vender tachos e cavalos, ofertas para ler nossas mãos etc. Circulavam avaliações sobre eles e seus comportamentos. Preconceituosas? Exageradas? Pode ser. Uma era que se deveria ter cuidado ao negociar com eles. Seriam muito espertos (mas quem não tentava ser esperto em situações desse tipo?).
É apenas um estereótipo, coisa comum. Circulam estereótipos de corintianos, de argentinos, de ingleses, de portugueses. E de ciganos. Que podem ou devem ser combatidos, mas nas arenas adequadas. A censura a um dicionário certamente não é uma delas, dada a natureza da obra. Registrar sentidos é um trabalho que não busca fundamento ou abrigo (albergue!) na liberdade de expressão. Dicionaristas estão longe de pensar assim. Ninguém está enunciando o que registra num dicionário. Nem mesmo seu autor. Nem está citando e dando a entender que concorda. Só registra (com vieses, como disse).
Pedir que a edição seja recolhida ou modificada é equivalente a pedir que se retirem animais de catálogos da fauna, ou que livros de anatomia suprimam órgãos ou partes do corpo que pareçam ofensivos (intestino grosso, pênis, cordas vocais etc., conforme o gosto ou a olhar do leitor – você já viu cordas vocais de perto?). A atitude lembra uma regra brasileira, se não mundial: denunciado um crime, pune-se o repórter e censura-se o jornal. Ou tira-se o sofá da sala…
Se o MP acha que deve agir em questões de ofensa à honra e casos assemelhadas, que processe, por exemplo, quem chama de cigano aos velhacos (nenhum dos cidadãos processados nos últimos tempos foi chamado de cigano; muito menos políticos considerados corruptos).
Aliás, para fundamentar sua ação, o MP vai precisar de um dicionário em que a acepção injuriosa esteja registrada e avaliada como negativa. Sem ela, vai se basear em quê? No gosto do funcionário?
Publicado em: http://terramagazine.terra.com.br/blogdosirio/blog/2012/03/08/limpar-livros-nota-sobre-dicionarios/
segunda-feira, 16 de abril de 2012
Das vergonhas de ser honesto - Mozahir Salomão Bruck
Muito interessante esse texto.
Mozahir Salomão Bruck
Uma longa conversa pelo telefone com o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da USP, a respeito da ética no cotidiano, trouxe-lhe à memória um episódio importante da vida brasileira: o pronunciamento, na tribuna, de um senador indignado que, ao protestar contra a lentidão na apuração de uma chacina de presos no Rio de Janeiro, por fim, desabafava: “No Brasil, chega-se ao ponto de os honestos terem vergonha de serem honestos”. O crime a que se referia o tribuno ficou conhecido como a Chacina do Satélite. O ano era 1914 e o senador Rui Barbosa. A chacina foi cometida contra marinheiros presos a bordo do navio Satélite, ancorado no Rio, então capital federal, no início do século passado. A autoria do crime foi apurada e assumida a partir de depoimentos dos assassinos confessos, mas, mesmo assim, já passados quatro anos, o crime começava a cair no esquecimento e na impunidade.“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”, bradou o senador baiano, nascido em Salvador. O pronunciamento de Rui Barbosa entrou para a história há quase um século por sintetizar um triste sentimento presente em boa parte da sociedade brasileira – o de que ser correto não vale a pena em meio ao desrespeito geral a regras e normas, leis e preceitos.
A vergonha e o desalento em relação à honestidade e correção, no entanto, estão presentes não apenas em momentos históricos de indignação, como o citado anteriormente. Podem ser percebidos o tempo todo em nosso cotidiano: o desrespeito a quaisquer filas, seja a da padaria ou a do pedágio; ser atendido primeiro que aqueles que fizeram sua solicitação antes; jogar papel, latinha ou qualquer objeto na rua; beneficiar-se de contatos pessoais e obter privilégios na relação com o Estado; burlar prazos e exigências, seguidos pela maioria; esquivar-se de multas e outras punições, valendo-se de artifícios diversos.
São práticas cotidianas de corrupção pequenas, mas que não deixam de sê-lo e que colocam em xeque o respeito comum e a noção básica de coletividade. Comportamentos e posturas que têm deixado clara a necessidade de uma reflexão urgente sobre o sentido de bem comum e de vida comunitária. É a sensação, nos dias de hoje, de que a opção pela virtude e a honra torna as pessoas risíveis e de que o comportamento correto, na verdade, seguiria em direção oposta, ou seja, válida é a busca irrestrita da vantagem pessoal, que, afinal, se sobreporia ao bem comum. Jogar o palitinho de picolé na rua corrompe o meio ambiente. Furar a fila é corromper o mais antigo e justo concurso público do mundo. Daí que idosos ou outras pessoas que nela não podem permanecer, por algum tipo de dificuldade ou deficiência, merecem mesmo tratamento diferenciado. É a noção de equidade: tratar de modo diferente o que é diferente, mas por questão de justiça e para que, ao final, estejamos mais próximos da igualdade. Mais iguais.
Para o filósofo paulista, a sensação descrita por Rui Barbosa está há muito presente na história e na cultura brasileira, “até mais do que em outros países”, assinala. Abordando com cuidado o tema, que considera “bastante controverso”, Janine afirma que observa a questão a partir de dois pontos: a educação e a vida coletiva. Sobre a educação, “no sentido mais forte do termo”, o filósofo entende que é imprescindível que as pessoas saibam da importância de ser educado, ser atencioso e respeitoso na relação com o outro. “Esse tipo de educação não são apenas formas’’, salienta. ‘‘Quando a pessoa incorpora esse tipo de comportamento, ela está afirmando, pelas suas ações, que respeita os seus semelhantes. Isso é um ponto crucial, não apenas em relação à educação, mas em função de que daí nasce uma relação de comunidade bem melhor que a que teríamos antes.”
Senso do coletivo Outro ponto destacado por Janine diz respeito ao modo como vivemos em comunidade. É importante, diz ele, que as pessoas sintam que agir direito é imprescindível e que vale a pena. “Quando vivemos numa sociedade em que é tão comum o sucesso do mal-educado, do criminoso, isso nos causa uma sensação de que não precisamos agir bem e que é o certo ser assim, pois senão seremos passados para trás.” Segundo Janine, sabemos que esse é um grande problema no Brasil e que para superá-lo seria necessário que se construísse algo novo em termos de experiência de vida social.
O filósofo da USP salienta que, primeiramente, é necessário que se desenvolva um senso forte do coletivo, pois “isso também é uma coisa que está faltando muito entre nós”. Segundo Janine, na sociedade, o que é coletivo ficou muito empobrecido e por isso não temos muita noção do que é o bem comum. “Nossa sociedade, explica, se fraturou em bens e interesses particulares. Alguém lutar pelo bem comum está muito difícil. Aliás, está muito difícil até as pessoas entenderem o que seja o bem comum. É algo que terá que ser construído, ou seja, como nós vamos ter uma preocupação e empenho de nos voltarmos para as coisas coletivas e entendermos que o espaço coletivo também pode ser um espaço de realização.”.
Renato Janine não esconde ser um pouco cético em relação à possibilidade de que essas mudanças se deem. Para ele, a valorização da vida individual consolidou-se a tal ponto que os alunos e mesmo outras pessoas a quem, eventualmente, vai falar sobre ética confundem ética como uma vantagem pessoal que podem conquistar, e é exatamente o contrário. “Mostrar que pode haver uma realização coletiva não é fácil, mas é algo que precisa ser concretizado”, destaca.
Para o filósofo e escritor, é urgente que sejam criadas condições para uma vida ética e coletiva e, para que isso seja construído, a pessoa precisa se sentir realizada no espaço coletivo, por isso é preciso que esse espaço coletivo seja bom para todos. A questão que se coloca é se nós podemos ter uma vida ética sem a coletividade. “E, nesse caso, nossa sociedade vai caminhar cada vez para a individualidade e, assim, teremos que definir um novo tipo de ética”, conclui.
Mozahir Salomão Bruck é professor e pesquisador da PUC Minas.
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