quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Filólogos sustentam que Weslian Roriz revoluciona a língua portuguesa



Esse país é mesmo esquisito!!!!


COIMBRA – Um dia após receberem a gravação da íntegra do debate promovido pela Rede Globo com os candidatos ao governo do Distrito Federal, uma junta de acadêmicos da Universidade de Coimbra convocou em regime de urgência um colóquio para debater “as notáveis contribuições sintáticas e
semânticas de Weslian Roriz para o patrimônio lusófono”.

O eminente filólogo português Leite de Vasconcelos abriu a primeira sessão (“Rupturas e Continuidades na Prosódia Wesliana”) afirmando que, desde Antonio Viera, “a língua portuguesa não lhe causava tamanha vertigem”. O acadêmico explicou que passará os próximos dois anos debruçado sobre a frase “Vamos implantar a saúde do servidor público”, cujas complexidades de forma e sentido “me lembram um Gregório à luz de Gôngora”.

Presentes ao debate, Haroldo de Campos e Décio Pignatari discordaram veementemente quanto às influências literárias de Weslian Roriz. Campos sustentou que a presença de Ezra Pound é cristalina na frase “Nós vamos intensificar o combate de tudo o que o senhor perguntou para mim.” Pignatari escandalizou-se com a afirmação, redargüindo que “só um equivocado não perceberia o magma eliotiano que alimenta o aço desta sentença.”

O poeta e compositor Arnaldo Antunes encerrou o simpósio versejando algumas locuções da candidata: “Defenderei/Toda a Corrupção/Desde que ache o papelzinho/Com a pergunta técnica/Da assessoria/Se Deus quiser/Se Deus quiser.”

Disponível em: http://revistapiaui.estadao.com.br/herald/post_224/. Acesso em: 30.09.2010

*DA LEGENDA
Weslian Roriz nega que tenha sido a ghost-writer de alguns dos mais eloqüentes discursos de Churchill. “Apenas sugeri a ele que intensificasse o combate ao sangue, ao suor e à lágrima.”

O que é ensinado na educação infantil?

Acabei de ler esse texto. É muito interessante
Ana Okada
Em São Paulo

Vista muitas vezes como uma etapa menor do ensino, a educação infantil é definida como a "base" do estudante, dizem especialistas. "É o momento mais importante da educação, porque você trabalha a estruturação da criança. Se ela está bem estruturada, ela enfrenta a adversidade de uma forma muito melhor", defende Fátima Guerra, PhD em educação infantil e professora da UnB (Universidade de Brasília).

E o que essa educação abrange? De maneira lúdica, crianças de 0 a 5 anos de idade aprendem a se situar no espaço da escola e da sala de aula e desenvolvem a coordenação motora, a linguagem e a sociabilidade, além de entrarem em contato com conceitos de leitura, escrita, ciências, matemática e artes, dentre outros conteúdos.

Esses conceitos, porém, são dados de maneira diversa da que é feita nos ensinos fundamental e médio, uma vez que os pequenos ainda estão aprendendo a lidar com conhecimentos abstratos.
"Isso é desenvolvido por meio de atividades que propiciam a descoberta", explica a pedagoga Maria Angela Barbato Carneiro, coordenadora do Núcleo de Pesquisas do Brincar, da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.

"Havia um preconceito de que a pré-escola não era escola. No entanto, como os pais deixam a criança cada vez mais cedo [na escola], agora são ensinados vários conceitos para esses alunos", explica a pedagoga Maria Angela.

•Estudante deve ser "protagonista" na educação infantil, dizem especialistas
Coordenação motora
Durante a educação infantil, o aluno desenvolve as coordenações motoras grossa e fina. Com a primeira, é possível localizar as diferentes partes do corpo, bem como situá-lo no espaço. Com isso, a criança aprende a controlar, por exemplo, a velocidade do andar e conceitos como "em cima/embaixo", "esquerda/direita" e "frente/trás".

A coordenação fina é desenvolvida quando a criança começa a trabalhar com materiais pequenos, tais como massinha e giz grosso. O aluno faz o "movimento de pinça" com as mãos e, com isso, chega ao uso do lápis.

A organização do espaço e do tempo também contribuem para esse aprendizado do controle do corpo. Com uma rotina que se repita todo dia, a criança consegue antecipar as coisas que vão acontecer e ganha mais confiança, até mesmo para propor atividades novas.

Letramento

O estudante do ensino infantil aprende conceitos de letramento, ou seja: ele toma contato com o universo da escrita e aprende, por exemplo, como são as letras e que a leitura se dá da esquerda para a direita e de cima para baixo. Ele pode até sair desta etapa lendo e escrevendo, apesar disso, no entanto, ser objetivo da alfabetização, que ocorre nos primeiro e no segundo anos do fundamental.

Para conhecer o mundo das letras, a criança deve ouvir e contar histórias, ver dramatizações e tomar contato com livros infantis. Além disso, ressalta a pedagoga Maria Angela, é preciso que as crianças possam se expressar livremente: "Ela deve brincar muito, dançar muito e poder se expressar de formas diferentes", diz.

Conteúdos

Conteúdos de ciências, matemática e artes, dentre outros, podem ser trabalhados com crianças, desde que sejam adaptados para sua idade e sejam dados de forma lúdica. Segundo Fátima Guerra, a ludicidade não deve ser uma brincadeira dada após as atividades, como "prêmio", mas é uma forma de expressão da criança. "Pelas brincadeiras e diálogos você vê muito como a criança está percebendo o mundo e que adultos estão ao redor dela", diz a professora.

Maria Angela explica a importância da brincadeira não dirigida, em que a criança pode criar suas regras e fazer descobertas por sua conta: "[esse tipo de brincadeira] é importante aprender com o próprio erro, porque com esse erro ela não sofre castigo, já na vida real ela teria um castigo; assim, através dessa experiência ela pode aprender com o erro e ele não vira só uma coisa frustrante", diz.

Participação dos pais

Os pais devem estar cientes das atividades que o filho tem na escola, de acordo com as especialistas. Segundo a professora Fátima, uma vez que não há separação entre o aluno na escola e a criança em casa, pais e o estabelecimento de ensino devem ter um relacionamento complementar. Apesar de haver escolas que não permitem aos pais entrarem no ambiente escolar, a pedagoga diz que é positivo que os pais participem da vida escolar e, até mesmo, das decisões pedagógicas.

Disponível em: http://educacao.uol.com.br/ultnot/2010/09/30/o-que-e-ensinado-na-educacao-infantil-saiba-mais.jhtm Acesso em: 30.09.2010

Esta charge foi publicada no blog de Nani em 30.09.2010

NÃO HÁ DESENVOLVIMENTO SEM EDUCAÇÃO

Essa é uma tese tão óbvia que causa espanto o fato de a nossa classe política e empresarial não darem a mínima para isso, preferindo que a sociedade arque com o preço da ignorância. Que é bem mais cara do que a educação.

O que falta a nossa Educação é investimento prioritário, pois este, embora venha crescendo - e isso é preciso reconhecer - ainda é bastante tímido frente às necessidades da Nação - Honório Pinheiro

Por causa do desenvolvimento econômico e das exigências da globalização, o mercado brasileiro precisou rapidamente atender às demandas de um espaço disputado intensamente por aqueles que oferecem os melhores serviços pelos menores custos. E ao saltar-se de um momento histórico em que não havia vagas no mercado para uma surpreendente época em que as empresas têm dificuldade para preencher as vagas que oferecem porque falta, aos candidatos, a capacitação necessária, percebeu-se o tamanho da dívida que nossos governantes têm com a Educação, principalmente, com a Educação básica, exatamente aquela que dá ao cidadão os instrumentos necessários à sua ascensão social.

É na base que se estruturam todas as referências de progressão futura. Nosso sistema de Educação, que deveria promover a igualdade, é especialmente danoso para os jovens de baixa renda, já que amplia a distância entre uma condição socioeconômica desfavorável e o avanço profissional que lhes permitiria mobilidade social.

Apesar de já ocuparmos o posto de oitava economia do mundo, recente ranking realizado pela Universidade de Comunicações de Xangai (China) com a relação das melhores universidades do planeta obteve destaque na mídia nacional pois coloca apenas seis universidades brasileiras entre as 500 primeiras. A melhor colocada ocupa apenas uma posição próxima a 150ª. Se compararmos com a qualidade das instituições norte-americanas que ocupam os 17 primeiros lugares, teremos uma exata noção do quanto precisaremos investir para alcançarmos patamares aceitáveis.

Sendo assim, as empresas absorvem grande parte dessa massa de trabalhadores que chega ao mercado precisando complementar sua formação. Absorvem também o custo de capacitá-la. Com essa intenção, ajudam a custear cursos tecnológicos para esses profissionais, exemplo dado pelos empresários do comércio com a criação da Faculdade CDL, que funciona com o objetivo de capacitar os profissionais desse setor com conteúdos voltados para a prática, esforço que envolve, inclusive, a manutenção de uma Loja Conceito na qual os graduandos vivenciam situações que são cotidianas na relação com as empresas e com os clientes.

Do mesmo modo que produtos e serviços concorrem pela preferência do consumidor, os profissionais buscam as melhores oportunidades nas melhores empresas. Mas como concorrer sem capacitação? E como sair capacitado após anos de formação acadêmica se nosso sistema ocupa repetidamente os piores índices nas avaliações que aferem a qualidade da Educação mundial?

O que falta a nossa Educação é investimento prioritário, pois este, embora venha crescendo – e isso é preciso reconhecer - ainda é bastante tímido frente às necessidades da Nação. Um investimento que deveria ser provido desde o ensino fundamental com foco em desenvolvimento de competências por meio de experiências alinhadas com a realidade. Experiências que promovessem um aprendizado útil, que despertassem talentos e que desenvolvessem habilidades natas.

Um ensino capaz de inspirar e despertar vocações. Ensino possível, porém distante graças à falta de infraestrutura das instituições, aos programas curriculares retrógrados e, em especial, ao desinteresse da maioria dos governantes. Os nossos jovens merecem mais.
Honório Pinheiro - Presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Ceará
Fonte: O Povo (CE)


Disponível em: http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/educacao-na-midia/10689/nao-ha-desenvolvimento-sem-educacao. Acesso em: 30.09.2010


Metas Sociais

Muito interessante esse Editorial da Folha de São Paulo

Novos governantes precisam assumir compromissos nas áreas de saúde e educação para retirar país do quadro de subdesenvolvimento

O panorama social brasileiro melhorou nas últimas décadas, mas em ritmo ainda lento. A Pnad 2009 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, revela um quadro muito distante daquele que a propaganda oficial tenta pintar. O país prossegue subdesenvolvido -mal qualificado na área educacional e com precário atendimento de saúde.

Menos da metade da população engajada no mercado de trabalho (43,1%) terminou o ensino médio, grau mínimo de formação para trabalhadores de economias mais dinâmicas. Apenas 11,1% concluíram algum curso de nível superior. Ainda temos 14,8% dos jovens de 15 a 17 anos fora da escola.

No que se refere à qualidade, a educação é ruim. De acordo com exames do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), mais de 60% dos alunos brasileiros não possuem a capacidade adequada na área de ciências. No exame mais recente, voltado para esse quesito, o Brasil ficou em 52º lugar entre 57 nações.

Registre-se que a educação foi a rubrica social na qual a cultura do planejamento mais prosperou no governo federal, com a iniciativa do PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação), de 2007. Criou-se um indicador universal de avaliação da qualidade, o Ideb. Com ele evidenciou-se que o ensino como um todo está reprovado, no país, com nota 4,6 - que não será trivial chegar a 6, a média dos países desenvolvidos.

Um bom ponto de partida para o próximo governo é a carta-compromisso proposta pelo movimento Todos Pela Educação. Entre os objetivos estão: garantir, antes de 2014, que todas as crianças sejam alfabetizadas até a idade de 8 anos; matricular todos os que têm entre 4 e 17 anos na escola até 2016; e atender por inteiro a demanda por creches até 2020.

Não basta, contudo, fixar metas quantitativas. É preciso alavancar o peso da máquina federal para fazer com que uma mudança educacional chegue a cada sala de aula. O Ministério da Educação deveria liderar um acordo nacional acerca dos conteúdos e dos objetivos mínimos que todo aluno teria de alcançar nos diversos níveis. Tal esforço precisaria ser acompanhado de permanente reciclagem profissional do professorado e de melhoria, vinculada a resultados, de sua péssima situação salarial.

Quanto à saúde, os indicadores evoluíram nas duas últimas décadas. No entanto, conquistas como a acentuada queda da mortalidade infantil (de 47,1 para 19,3 óbitos até um ano de idade por mil nascidos vivos) convivem com doenças infectocontagiosas características de países tropicais pobres, como dengue e malária.

O SUS (Sistema Único de Saúde) tem suas portas abertas para toda a população, mas, sem presteza e qualidade, não consegue de fato tornar-se universal. Filas e descaso empurram três quartos da população para planos privados.

Famílias e empresas despendem 60% do total gasto com saúde no país, que fica entre 7,5% e 8% do PIB, contra a média mundial de 8,7%. Em países avançados o gasto privado é de 30%, cabendo o restante ao setor público.

Duas moléstias crônicas se superpõem no SUS: subfinanciamento e má gestão. O novo governo deveria se comprometer a atingir 10% do PIB em despesas com saúde e criar metas que pudessem ser monitoradas para elevar os padrões de atendimento.

É imperioso fugir da tentação de aumentar ou criar impostos. Mais adequado é buscar recursos em outras fontes, com a eliminação, por exemplo, de subsídios para os planos de saúde privados, hoje da ordem de R$ 14 bilhões.

É crucial, ainda, impedir o desvio, por governos estaduais e municipais, de verbas carimbadas para a saúde. A prioridade é regulamentar a Emenda 29 para fechar as brechas hoje existentes. Além disso, é necessário adotar objetivos específicos, como levar equipes de saúde da família a todos os municípios (só 47% dispõem delas) e reduzir a letalidade de doenças crônicas e infectocontagiosas.
Sem passos vigorosos na saúde e na educação, o Brasil enfrentará dificuldades para ampliar o crescimento econômico e transformá-lo em desenvolvimento humano.

Políticas de transferência de renda têm desempenhado nos últimos anos papel relevante na redução das desigualdades. Mas é preciso criar condições para que programas como o Bolsa Família, que hoje beneficia cerca de 50 milhões de brasileiros, ao custo de R$ 12, 4 bilhões por ano, possam ser paulatinamente substituídos pela capacitação profissional, a ampliação da oferta de emprego e a prestação de melhores serviços por parte do Estado.
Prioridades:
EDUCAÇÂO
- Todas as crianças devem ser alfabetizadas até os 8 anos
- Manter todos na escola dos 4 aos 17 anos
- Zerar demanda por vagas em creches
- Definir padrão nacional mínimo de aprendizado
SAÚDE
- Elevar despesa a 10% do PIB sem criar nova taxa
- Regulamentar Emenda 29 e eliminar subsídio ao setor privado
- Fixar padrões mínimos de atendimento no SUS
- Levar Programa Saúde da Família a todas as cidades

Fonte: Folha de S. Paulo (SP)
Disponível em: http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/educacao-na-midia/10710/metas-sociais. Acesso em: 30.09.2010.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

LENDA SOBRE O PROFESSOR

Adorei esse texto! Rir é o melhor remédio!

Autor desconhecido


Conta a lenda que quando Deus liberou o conhecimento sobre como ensinar os homens determinou que aquele "saber" ficaria restrito a um grupo muito selecionado de sábios. Mas, neste pequeno grupo, onde todos se achavam "semi-deuses", alguém traiu as determinações divinas... Aí aconteceu o pior!
Deus, bravo com a traição, resolveu fazer valer alguns mandamentos:
1º - Não terás vida pessoal, familiar ou sentimental.
2º - Não verás teu filho crescer.
3º - Não terás feriado, fins de semana ou qualquer outro tipo de folga.
4º - Terás gastrite, se tiveres sorte. Se for como os demais, terás úlcera.
5º - A pressa será teu único amigo e as suas refeições principais serão os lanches, as pizzas e o china in box.
6º - Teus cabelos ficarão brancos antes do tempo, isso se te sobrarem cabelos.
7º - Tua sanidade mental será posta em cheque antes que completes 5 anos de trabalho;
8º - Dormir será considerado período de folga; logo, não dormirás.
9º - Trabalho será teu assunto preferido, talvez o único.
10º - As pessoas serão divididas em 2 tipos: as que ensinam e as que não entendem (a melhor!).
11º - A máquina de café será a tua melhor colega de trabalho, porém a cafeína não te fará mais efeito.
12º - Happy Hours serão excelentes oportunidades de ter algum tipo de contato com outras pessoas loucas como você.
13º - Terás sonhos, com cronograma, planejamento, provas, fichas de alunos, provas substitutivas e não raro, resolverás problemas de trabalho neste período de sono.
14º - Exibirás olheiras como troféu de guerra.
15º - E o pior: inexplicavelmente gostarás de tudo isso...

Disponível em: http://www.leituracritica.com.br. Acesso em: 29.09.2010

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Rumo aos novos letramentos


Execelente essa entrevista com a Profª Roxane Rojo


Referência nos estudos de linguagem e na análise do livro didático, pesquisadora da Unicamp crê que está na hora de ampliar a oferta de materiais para uso em sala de aula.


Em tempos de mídias digitais, o processo de letramento não deve mais restringir-se apenas aos impressos, diz a professora Roxane Rojo, diretora do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade de Campinas e coordenadora do projeto de pesquisa "Multiletramentos e abordagem da diversidade cultural no ensino de língua materna. O papel dos materiais didáticos".
Apesar dessa restrição, a especialista, que participou da institucionalização do processo de avaliação dos livros didáticos ocorrido a partir da segunda metade dos anos 90, vê um processo de evolução dos materiais à disposição do professor que tem a missão de alfabetizar na escola contemporânea.

Qual a sua avaliação sobre os livros didáticos destinados aos anos da alfabetização e aos subsequentes?
Participo mais do processo de avaliação dos livros do 3º ao 9º ano, mas, ainda assim, se avaliarmos as séries iniciais - o 3º ano, que é um ano de consolidação do processo -, houve uma considerável melhora no tratamento dos letramentos em 10, 12 anos de política de avaliação do livro didático. Seja para leitura, seja para produção de texto, seja para consolidação da alfabetização e da ortografização. Em leitura e produção textual, por exemplo, os livros ficavam muito centrados nos gêneros estritamente escolares - as historinhas, as narrativas -, não havia diversidade. A leitura era meramente uma leitura de localização de informação, linear, rasa. Na ortografia, se trabalhava de maneira muito transmissiva. Isso no início, lá em 1998. As novas levas de livros são sucessivamente melhores em todos os âmbitos: leitura, produção, análise linguística, ortografização etc. Com variações, é claro. Embora as menções [classificatórias] tenham sido abolidas para o público em geral, os avaliadores ainda operam com elas, ou ao menos com um ranking de pontuação para cada quesito de avaliação. Então há livros classificados que não matam ninguém, mas que são bastante rasos e outros com propostas bem mais ambiciosas, organizados por projetos. A amostra é bastante variada e, dentro dos limites do que um programa como este pode fazer, atingimos um patamar de manutenção.
O que isso significa?

Digo isso por uma série de razões. O livro é limitado. Não pode trazer uma série de letramentos porque ele é um impresso. Na medida em que não se permite nos livros de português, como acontece nos livros de língua estrangeira, que haja satélites - CDs etc. - ficamos limitados a um conjunto de gêneros que circulam nos impressos e que hoje são insuficientes. Diria que a política precisa de uma revisão mais profunda, em termos do que se está entendendo como material que deve circular em sala de aula.
Hoje não basta mais letrar para produzir textos à mão ou para impressos, é preciso lidar com outras linguagens.

Que impacto traz essa nova visão, que incorpora os escritos (as novas linguagens) à escrita alfabética, ao trabalho do professor?
Na alfabetização, isso só traria benefícios e facilidades. Se pensarmos, por exemplo, na educação infantil, o professor trabalha com essas diferentes linguagens - o corpo da criança, a dramatização, o teatro, a hora da rodinha, o que se vai contar, falar e, no meio disso, começa a alfabetizar. Nas escolas privadas que alfabetizam aos 6 anos, ou o 1º ano das públicas do fundamental de nove anos, essa alfabetização se dá num âmbito em que as maneiras de simbolizar ou representar são muito variadas. A criança vai usar o corpo, cantigas, a observação do feijãozinho e a escrita vem dentro desse sistema de atividades como uma modalidade, entre várias. A pesquisa "Retratos da Leitura no Brasil" mostra que as crianças gostam de ler e se engajam nos escritos até o 5º ano. Entre outras coisas porque isso faz parte de uma prática mais global. Quando entra na alfabetização, muitas vezes professores e livros formados de maneira mais tradicional cortam esse processo e focam o código alfabético. E aí há rupturas de processo, que poderiam não acontecer se mantivessem, por exemplo, vídeos, áudios e canções. As crianças trazem um domínio da imagem, via televisão e outras linguagens, muito maior do que o da escrita. A escrita poderia entrar no berço dessa multilinguagem se as práticas fossem modificadas. Nas etapas seguintes, quanto mais à frente você for - por exemplo, no ensino médio - mais há uma valorização do escrito, do impresso e das formas canônicas. No ensino médio, temos literatura canônica escrita e acabou. As práticas letradas vão se afunilando naquilo que a escola julga que deve ser transmitido. E o que apontamos é justamente uma ampliação desses patrimônios. Como eles estão postos hoje, à la século 19, não servem mais à cidadania, nem à vida pessoal e nem ao trabalho. É preciso ampliá-los à imagem, ao áudio. Sem abandonar a escrita, obviamente.

E como ficaria a formação docente?
Outro dia ouvi alguém falar algo genial em um evento. Ele dizia que a escola tem um currículo do século 19, professores do século 20 e necessidades dos alunos do século 21. A formação é complicada, mas é também uma questão geracional. Os meus alunos que estão se formando são quase nativos de uma era digital. Não terão o problema de não querer aprender uma linguagem por não serem usuários. Na hora em que a leva de migrantes - as pessoas que começaram no impresso e terminaram no digital - sair da escola, teremos algo diferente. É uma questão de 20 anos para termos algo diferente. Mas não podemos esperar, temos de investir em formações e materiais e numa pedagogia de projetos.

Mas há também a expectativa das famílias, que é maior quanto à escrita (e não aos escritos). Como lidar com isso?

Depende de qual família, do letramento familiar. Do ponto de vista das famílias analfabetas ou de baixa escolaridade, a criança decifrar o código e fazer cálculos é um enorme avanço, pois é aquilo que ela não tem. Nem sei se ela é capaz de reconhecer essas outras mídias e maneiras de significar como relevantes. Afinal, essa família também tem a televisão em casa. Se os filhos começarem a ver TV na escola, poderão perguntar que escola é essa que não está ensinando a ler, escrever, literatura e ortografia. Por outro lado, uma família inserida nesses letramentos contemporâneos percebe que seu filho só arruma emprego se dominar ferramentas de edição de áudio e vídeo. Pode pensar 'ah, que interessante essa escola, não preciso pagar cursos por fora'. Então, para o grosso da população, esse reconhecimento é mais difícil, a não ser como um impacto de minoramento da rejeição do aluno em relação à escola e da violência que impera na escola. No ensino médio, essa distância das práticas entre o que a escola quer - o trovadorismo, por exemplo - e o que o aluno quer - o rap - se traduz muitas vezes em violência interna e externa à escola, em afastamento do alunado da escola.

O que o docente deve incorporar, dos pontos de vista teórico e didático, para trabalhar a partir dessa nova visão?
A proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais, de 1998, do trabalho com gêneros textuais, pavimentou a estrada nos últimos 10, 12 anos. O conceito de gênero - e não o de texto ou de tipo de texto, que é aquele mais escolar - abre as possibilidades de abordagem numa diversidade dos escritos impressos e das outras linguagens. Começou a ser aceito que o professor pode trabalhar com gêneros nos quais nunca antes tinha pensado. Estava corrigindo um material que vai entrar de forma suplementar na rede municipal de São Paulo em que se propõe um volume sobre poemas visuais, inclusive os digitais, e rap. É uma novidade já incorporada por um sistema público municipal na produção de material didático de apoio ao professor. Esse conceito abriu o caminho: começou trabalhando com notícia, artigo de opinião, e depois ampliou para charge, tirinha, fanzine e outras coisas.
E como isso mexe com a formação inicial?
Os currículos das universidades continuam no século 19, início do 20. Os currículos de letras, por exemplo, têm muito pouca análise do discurso, estudo de texto e teoria de enunciação. E, hoje em dia, todas as propostas vão nessas direções - da linguística textual, da teoria da enunciação e das análises de discurso. Então, o campo teórico precisaria incorporar mais da visão da linguagem não como palavra, sílaba, fonologia, frase, sentença, gramática, mas como discurso, texto e enunciado. Se o aluno não tem formação nisso, vai ter de aprender na formação continuada. Em geral há apenas uma ou duas disciplinas e o grosso é gramática, sintaxe, fonologia, um currículo mais clássico de letras. Na pedagogia, isso tem um impacto menor, porque quando tem alguma formação vai para essas disciplinas que estão presentes nos currículos, e não para as coisas mais clássicas da linguística. Outra coisa é que a universidade continua extremamente disciplinar e subdisciplinar. A Capes divide em áreas, subáreas e assim por diante. Isso dificulta uma abordagem como essa, pois se vamos tratar da imagem ou da canção será preciso alguma noção de semiótica de maneira mais geral, de música... Que a discussão da interdisciplinaridade chegasse à universidade seria interessante, o que está apenas começando.
E do ponto de vista da didática?

É mais complicado ainda. O governo fez várias tentativas de integrar melhor a formação docente das licenciaturas entre a educação e as especialidades. Só que cada universidade fez à sua maneira. De fato, na maioria das universidades de letras, didática e conteúdo continuam muito separados. Quando se juntam é só no final e sem conversa entre as unidades de educação e de letras. Na pedagogia, há dois problemas: o primeiro é a recente exigência de que o professor tenha a formação universitária para ser alfabetizador. Mas está sendo cumprida. Fazer essa qualificação a toque de caixa provocou uma série de cursos duvidosos, configurados como uma suplementação, só para que se atribuísse aos professores o grau universitário. Em segundo lugar, muitas vezes a montagem dos cursos na educação dá muito pouco espaço aos conteúdos. Não sei o que é melhor, pois quando trabalho com formação continuada de professores a didatização é muito presente para aqueles que têm formação mais generalista e isso talvez seja prioritário. Eles têm mais sintonia com o que é ensinar, com a forma como o aluno aprende e do que ele precisa. Já o professor especialista é mais resistente, a relação dele é com aquele conteúdo, como esgotá-lo ou transmiti-lo, o que talvez torne mais difícil ensinar. O que falta ao professor alfabetizador são noções de fonologia, de relação oral-escrito, mas acho mais fácil ensinar isso a ele do que mostrar ao especialista a importância de estar sintonizado com o processo do aluno.

Como isso se traduz em termos de habilidades específicas que o professor precisa trabalhar?
Em primeiro lugar, deve saber diagnosticar o que o aluno precisa tanto em termos de aquisição da base alfabética e da própria alfabetização quanto em termos do gênero com que vai trabalhar. Mas para diagnosticar o aluno é preciso conhecer bem o objeto, ver o que ele sabe daquele objeto, para poder ensinar. Então, em primeiro lugar, ter essa percepção de um acompanhamento diagnóstico e formativo, e não de um acompanhamento só avaliativo terminal. E o que seria mais novo na formação, que é ter essa sintonia maior com o multiculturalismo, com o que o aluno traz não só em termos de conhecimentos, mas da cultura da sua comunidade, de como se aproximar dele com menos conflito cultural. Didaticamente, o mais importante é deixar o aluno ser ativo, construir o conhecimento em vez de transmitir.
Nos anos iniciais do fundamental - os da alfabetização propriamente dita - há gêneros textuais que sejam mais fecundos para se trabalhar?
Com certeza. Isso remete a uma ideia de progressão, do que se pode apresentar na série inicial ou mais adiante. Peguemos como exemplo o aluno que está chegando à alfabetização, um menino de 6 anos que está entrando na escola e que não frequentou a educação infantil. Ele está mais familiarizado com os gêneros cotidianos, mais primários, com a oralidade, com a conversa cotidiana, com alguns escritos, mas poucos, como rótulos, dependendo dos letramentos da família e da comunidade. Eu poderia começar pela televisão, pelos programas televisivos que talvez ele nem conheça, mas que existem na televisão aberta com qualidade, como o Rá Tim Bum, e com isso ir introduzindo o domínio da escrita. O princípio é o mesmo: partir do que ele já conhece para acrescentar aquilo que pretendo ensinar, do código alfabético aos gêneros secundários. Estava avaliando propostas para um material de gêneros pertencentes à esfera da divulgação científica. O volume apresentado ao 2º ano é de verbete de curiosidade, do tipo 'você sabia que o camaleão muda de cor?', um gênero secundário simples. O de 3º ano parte do verbete de curiosidade para chegar ao verbete de enciclopédia infantil, de dicionário infantil, e apresentar alguns artigos de divulgação científica de revistas como Recreio e, no final, Ciência hoje das Crianças. Então, os gêneros, os veículos e os temas vão se sofisticando, numa progressão em espiral. No material de 5º ano, o último que eu avaliei, temos reportagem, artigo de divulgação científica - revista Superinteressante, Galileu, entra imagem, infográfico. É sempre esse movimento. O Vygotsky dizia que isso é partir do desenvolvimento real da criança, do que ela traz, para o desenvolvimento proximal, que é aquilo que se quer introduzir.

O livro didático constitui um gênero à parte?
Na minha opinião e na de outros pesquisadores, sim. É uma questão controversa, há quem defenda que é apenas um suporte para outros gêneros. Não concordo, pois tem autor, tem uma proposta didática, uma proposta pedagógica, escolhe objetos, seleciona o que vai ensinar, dá uma dinâmica, ou seja, tanto quanto um romance, ele tem uma história a contar enquanto educador. É um gênero muito particular, pois chama para dentro de si outros gêneros que circulam fora da escola. É intertextual, intercalado, com notícias, poemas da literatura e de fora dela. Não é um gênero multimodal porque é um impresso, não tem CDs com vídeos, áudios etc.

E quais são as características desse gênero? Quais delas deveriam ser necessárias para efetivamente ajudar o professor na tarefa de alfabetizar e letrar?
No caso dos livros de 3º a 5º ano, trazem como objeto de ensino, majoritariamente, os gêneros da esfera artístico-literária: literatura infanto-juvenil, no caso desses livros iniciais, com muitos poemas, gênero mais curto, que cabe na aula, e pequenos trechos de narrativas de aventura. O resto é divulgação científica e textos escolarizados, como verbetes. Não alcançam a diversidade e a circulação de textos extracurriculares.
E o que mais poderiam ter?
Os referenciais e parâmetros nacionais e internacionais pedem textos diversificados, gêneros variados, de circulação social mais ampla. Seria interessante rever um pouco o leque de gêneros. Por exemplo, os textos que exigem crítica são muito pouco abordados. Quando há textos jornalísticos, é jornalismo de informação. Poderia haver aqueles que pedem o posicionamento da criança, que podem provocar debate. Em segundo lugar, textos multissemióticos, ou que preservam a configuração multissemiótica. Na divulgação científica, tem bastante, mas tiram a imagem. Em terceiro, trazer mais gêneros que sejam da cultura extraescolar não valorizada, mais canções etc. Ou seja, coisas que levassem a esses três aspectos: leituras multissemiótica, multicultural e crítica. Esse princípio vale também para a fase de alfabetização.
Alfabetização e ortografização são fases distintas?

A maior parte dos professores e dos livros já faz essa divisão entre a alfabetização, que é o domínio básico do sistema, e a ortografização, que é aquilo que prossegue durante um tempo, até o 5º, 6º ano, às vezes a vida inteira, do domínio das exceções do sistema ortográfico do português do Brasil. Mas, para mim, alfabetização é uma fase inicial que foca o grosso do funcionamento do sistema fonológico e do sistema gráfico da língua.

Como isso tem se materializado nos livros da alfabetização e do 3º ao 5º ano?
Em razão das pesquisas do professor Artur Morais, que trabalhou muito bem a descrição para a formação do professor da ortografização do português do Brasil, os livros incorporaram muito isso. Nesses anos, as propostas de ortografia se desenvolvem bem, com conhecimento do objeto, da fonologia e da ortografia do português, e com uma prática didática que, por vezes, acaba resultando no único lugar do livro com práticas efetivamente construtivistas. Ou seja, dá uma mostra de palavras e pede para a criança pensar a regra, em vez de falar 'a regra é tal'. A alfabetização é outra história, com outras metodologias que quase sempre reduzem muito a organização fono-ortográfica do português. Tende, por exemplo, a trabalhar sílaba simples primeiro, sílaba complexa depois, deixa para o final os dígrafos. Só que quase toda palavra tem dígrafo. Poucas palavras são iguais a peteca. Quando você impede que a criança veja isso, retarda a aprendizagem.
Então, acredito que na alfabetização deve haver mais problema.

Estudos apontam para a fase pós-alfabetização como a mais problemática na questão do desenvolvimento da compreensão do texto. Por quê?

É um problema do desenvolvimento da leitura. Por que eles param numa leitura de localização de poucas informações, inferência global do tema, que é o que dizem os resultados das avaliações. Não sei os livros, porque só avalio os de português, que vão um pouco além. Mas fiz uma pesquisa em uma escola, em 2000, com o ensino dos professores de todas as disciplinas do fundamental. A maior parte das outras disciplinas fica neste procedimento de localizar a informação e repetir. O menino aprende que ler é isso. Quando você faz uma questão que exige uma inferência, comparação, intertextualidade... Isso não é feito, sobretudo nas outras disciplinas. Português vai um pouquinho além. Por exemplo, trabalha com inferência, com resumo - que é generalização -, mas as outras disciplinas trazem sempre perguntas na aula, centradas no conteúdo tal qual está no texto. É isso que o aluno aprende como leitura, é isso que faz nos exames. Há muito pouca leitura na escola. Para ter uma ideia, gravamos 57 aulas dobradas, então eram muitas horas de vídeo, e só 20% desse tempo era dedicado à leitura. Desses 20%, ¾ eram leitura em voz alta e apenas ¼, ou 5% do tempo total, era dedicado a atividades de compreensão.
A perda da habilidade motora da escrita - em detrimento da habilidade de escrever no teclado - representa algum prejuízo para a criança?

Não estamos perdendo uma habilidade motora, e sim desenvolvendo outra, diferente. Talvez passe a tocar piano melhor. Em pouco tempo irá mudar, quando todas as telas forem touch screen, vamos aprender a só apontar. Acho que se trata apenas de mudança de um movimento de pressão fina, no qual a alfabetização dos séculos 19 e 20 se baseou muito, para um outro. A habilidade motora em si não tem nada a ver com a simbolização, por qual gesto se acessa um grafema. Se você pensar, isso aconteceu na história da escrita várias vezes. Escrevia-se com a cunha na escrita cuneiforme, depois carimbando, lascando na pedra lascada, os copistas na Idade Média fazendo pinturas e iluminuras e letras sofisticadíssimas, quase uma arte como no Japão e na China. Depois passamos a escrever mais simples, apenas com o lápis, porque era preciso democratizar o acesso, e agora a máquina escreve por nós.

REVISTA EDUCAÇÃO - EDIÇÃO 161
Disponível em: http://revistaeducacao.uol.com.br Acesso em: 27.09.2010

Estratégias Múltiplas


Características e necessidades regionais exigem a adoção de um cardápio variado de soluções para a educação brasileira. No entanto, não é possível negligenciar o que não é priorizado.



Marta Avancini








Em época de campanha eleitoral, a educação volta à cena de duas maneiras aparentemente contraditórias: como solução para as grandes questões do Brasil e como um problema que permanece. É nesse cenário que surgem as promessas de grandes mudanças e de superação dos históricos gargalos e entraves de atendimento e aprendizagem.

A experiência, contudo, demonstra que, muitas vezes, as respostas para os desafios da Educação Básica brasileira passam bem longe da retórica e dos discursos generalizantes. Em todo o país, escolas e redes de ensino têm realizado ações concebidas a partir de necessidades e características específicas.

Um dos fatores que possibilitam isso é a implantação, ocorrida nas duas últimas décadas, de instrumentos diagnósticos como o Censo Escolar, Prova Brasil, Saeb e Ideb, que permitem perceber particularidades regionais. Com suas características e objetivos específicos, eles fornecem um retrato do país, das redes estaduais e municipais, chegando ao nível mais micro das escolas e dos alunos. Evidenciam avanços, mudanças, bem como deficiências e desafios a serem enfrentados.

Assim, quem atua no dia a dia das escolas e dos sistemas de ensino sabe que não existem fórmulas prontas ou globais, mas que as mudanças e melhorias são construídas no cotidiano e, por isso, os caminhos a serem percorridos não são (e não devem ser) os mesmos.

O problema que se coloca no Amazonas não é o mesmo do Rio Grande do Sul. No primeiro estado, as longas distâncias e a dificuldade de locomoção remetem à necessidade de se implementar estratégias que assegurem que o aluno chegue à escola e tenha condições de frequentá-la. Investir na educação a distância foi a saída encontrada pela secretaria estadual de Educação.

No Rio Grande, as avaliações mostraram fragilidades na aprendizagem de língua portuguesa e matemática no final do primeiro ciclo do ensino fundamental. Então, o foco da Secretaria de Estado da Educação local foi fortalecer a alfabetização das crianças, por meio de um programa que combina a oferta de três métodos distintos de alfabetização às escolas, com capacitação de professores e acompanhamento contínuo.

A diversidade de estratégias e modos de atuação também caracteriza municípios que estão conseguindo melhorar seus indicadores, segundo um estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Uma das estratégias em Palmas, capital do Tocantins, se deu no campo do financiamento: foi criada uma rubrica específica para a educação, o que gerou um aumento de 2% do montante aplicado na área entre 2005 e 2006, chegando a 27,3% do orçamento municipal naquele ano.

Em São João do Sabugi, município de 6 mil habitantes no Rio Grande do Norte, o prefeito nomeou uma secretária para cuidar exclusivamente da educação após o mau desempenho no Ideb de 2005 (2,1). A gestão exclusiva apostou em novas práticas de planejamento na áreas administrativa e pedagógica. Em 2007, o resultado foi 4,4 e em 2009, 5,3.

Desafios e prioridades
A diversidade de práticas, caminhos e soluções se delineia a partir do mapa construído por meio da Prova Brasil e do Saeb. Ele sinaliza para alguns problemas centrais: a precariedade da aprendizagem (que tende a ficar mais evidente conforme os alunos avançam na escola) e a desigualdade entre as regiões e, muitas vezes, dentro do próprio sistema de ensino. "A desigualdade está no nosso DNA", constata o coordenador do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais (Game), Francisco Soares, que também leciona na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

"São vários pacientes com vários tipos de doenças", complementa Mozart Ramos Neves membro do Conselho de Governança do movimento Todos pela Educação. "Não há equidade no diz respeito à aprendizagem. São vários brasis", conclui.

Análise realizada pelo movimento demonstra, por exemplo, que na região Norte, 13,1% dos alunos têm desempenho adequado à série em que estudam nas avaliações do MEC, enquanto no Sul e no Sudeste, a proporção chega a 31,6%. Tais números, além de revelarem as discrepâncias regionais, apontam para a necessidade urgente de se investir em ações para promover a aprendizagem, já que apenas uma minoria sabe o mínimo esperado.

Embora os indicadores sejam ruins, as avaliações sinalizam para uma "progressiva e lenta melhora" principalmente nos anos iniciais do fundamental, analisa a educadora Guiomar Namo de Mello. Isso é bom, mas remete a um questionamento: "O que isso realmente significa em termos de aprendizagem? Alguns municípios atingiram 6 ou 7 no Ideb, mas, mesmo que cheguemos a esse patamar, nós não seremos a Finlândia", provoca.

"Enquanto estamos perseguindo o nível dos países desenvolvidos, estes já estão trabalhando com um patamar mais avançado." Ou seja, nesse passo e norteando-se apenas por índices, a educação brasileira não vai dar o salto de qualidade necessário. "O foco tem de ser a melhoria, não o simples cumprimento da meta", conclui Guiomar.

A ênfase nos índices também remete ao problema da desigualdade, pois de maneira geral eles traduzem uma média (da rede de ensino, de uma escola) que não traduz a situação das pontas, os melhores e os piores. "Muitos municípios têm uma boa média, mas há uma ou duas escolas que não estão bem. O Ideb do município não vai mostrar isso, mas é fundamental que o gestor olhe e trabalhe com estas escolas. O objetivo é a educação de qualidade para todos", defende Francisco Soares, da UFMG.

É por isso que, na opinião da coordenadora de Educação do Unicef, Maria de Salete Silva, toda e qualquer ação tem de ter como foco a redução das desigualdades - seja entre os alunos de uma mesma escola, seja entre as escolas de uma mesma rede. "As redes de ensino são, na verdade, redes de aprendizagem. Então, não interessa se o sistema atinge a meta, mas não reduz as desigualdades."

Considerando esse cenário, organização, estruturação e planejamento surgem como palavras-chave. Isso envolve diversos aspectos relacionados às ações para melhorar a aprendizagem e o desempenho dos alunos, como o fortalecimento da gestão, o aprimoramento da formação e das condições de trabalho dos professores e a melhoria do currículo.

No que diz respeito às prioridades do momento atual, os especialistas ouvidos destacam o fortalecimento da alfabetização, a correção da distorção idade-série, a qualificação dos professores, a ampliação do tempo de atividades, a melhoria da qualidade da aprendizagem e as mudanças curriculares. A lista não para por aí: o aumento do volume de recursos destinados à educação e a melhoria da qualidade do gasto, além da continuidade das políticas em diferentes governos, também são desafios mencionados.

Embora os problemas e desafios sejam muitos e bastante diferentes entre si, não basta atacar alguns aspectos isoladamente. "Não há nenhuma ação isolada que resolva o problema da educação do Brasil", afirma a coordenadora Salete, do Unicef.

Alfabetização
Fazer com que as crianças sejam efetivamente alfabetizadas até nos dois primeiros anos do ensino fundamental é um desafio central. Sem isso, não se consegue melhorar a aprendizagem, nem garantir a permanência do aluno na escola. Por isso, as ações voltadas para a melhoria da alfabetização estão entre as prioridades das redes estaduais de ensino de Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

"Mesmo com os resultados apresentados nas avaliações oficiais, a aprendizagem da língua escrita na escola ainda está num nível muito baixo", analisa Magda Becker Soares, professora titular emérita da UFMG, especializada no tema.

Para ela, o problema tem origem na falta de clareza do que se entende por alfabetização. Até os anos 1980, considerava-se alfabetizado o aluno que sabia ler e escrever, ou seja, sabia codificar e decodificar. "Isso dava tranquilidade para o professor avaliar se a criança estava alfabetizada ou não."

Com a mudança para o conceito de letramento - que pode ser sintetizado na capacidade de utilização da leitura e da escrita -, alargou-se o entendimento do que é alfabetização, que se diluiu em várias competências e habilidades. A professora Magda aponta que esse processo está relacionado às demandas sociais de nossa sociedade, que é centrada na escrita, e às recentes descobertas no campo da linguística e da psicologia cognitiva sobre os processos de aprendizagem e uso da linguagem escrita.

Nesse cenário, ela vê como positiva a iniciativa da secretaria estadual de Educação do Rio Grande do Sul, onde foi implantado um programa que prioriza a alfabetização, por meio da oferta de três tipos de métodos que podem ser escolhidos pelas escolas, acompanhado de formação e assessoria às escolas.

A rede estadual de Minas Gerais é outra que dá atenção especial à questão da alfabetização. Há quatro anos, foi implantado um programa para fortalecê-la e assegurar que todas as crianças tenham domínio dos processos básicos de leitura e escrita até os 8 anos.

O coordenador do Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais também considera que a falta de clareza sobre o que é alfabetização prejudica a aprendizagem, mas pondera que independentemente do método adotado e dos critérios de avaliação do professor é importante trazer para o debate público a questão da redução das metas relativas ao domínio da leitura e da escrita.

Na opinião de Soares, a meta de que a criança esteja alfabetizada aos 8 anos é "pouco desafiadora". "Seria importante trazer para o debate público a discussão da mudança desse patamar para os 7 anos", postula. Para ele, essa discussão deve se vincular a uma "ênfase maior na alfabetização". "Se a criança não aprende a ler, terá dificuldade a vida toda."

Soares também enfatiza a necessidade de reforçar a aprendizagem em matemática. "Esta é uma linguagem que faz parte da sociedade moderna e as escolas costumam dar pouca ênfase ao conhecimento matemático".

Reforma curricular
O currículo é outro nó a ser desatado. Essa é a questão que se coloca nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Guiomar Namo de Mello, que integrou o Conselho Nacional de Educação no final dos anos 1990 e foi relatora das Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental, avalia que parte das dificuldades existentes hoje nessa área - e que acarretam, por exemplo, a elevada evasão de alunos - está relacionada à maneira como as mudanças curriculares foram implementadas à época.

Reavaliando a história, ela considera que o país viveu um período de anomia, referindo-se à opção feita pelo Ministério da Educação de então de distribuir os novos parâmetros curriculares diretamente às escolas. "Hoje, vejo que talvez tivesse sido melhor trabalhar os parâmetros com as secretarias estaduais e municipais, que cuidariam de especificar o currículo."

Declarando-se contra um currículo nacional, Guiomar reitera que os profissionais das escolas tiveram de lidar com drásticas mudanças em curto espaço de tempo, saindo de um currículo excessivamente fragmentado para um contexto de grande abertura para definir o quê e como ensinar. O resultado foi indefinição. "Acabaram usando os parâmetros como currículo quando, na verdade, eles devem funcionar como uma indicação."

Passada essa fase e diante dos resultados das avaliações oficiais, o momento é de formatar currículos com mais clareza dos objetivos e metas a serem alcançados. Francisco Soares segue a mesma linha de raciocínio e defende que o currículo seja estruturado. É nesse contexto que ambos veem como positiva a adoção de sistemas de ensino prontos e fechados, elaborados por grupos privados, pela rede pública de ensino - o que já vem acontecendo em algumas localidades do Estado de São Paulo.

Os currículos polivalentes, em que um único professor assume disciplinas afins, são outra possibilidade, na visão de Guiomar. Isso ocorre em algumas escolas particulares, como o colégio Vera Cruz de São Paulo.

Na rede pública, esse tipo de iniciativa não é tão comum, mas já começam a surgir iniciativas, como a da rede estadual de São Paulo que, com base nos resultados das avaliações locais, implantou novos padrões curriculares e definiu um novo currículo para o ensino fundamental.

Mas mexer no currículo de maneira isolada não é a solução; na verdade, os analistas consideram que a qualificação do professor pode fazer a diferença, mesmo que o currículo seja inadequado. "Se o professor fosse mais bem formado, teria condições de trabalhar melhor o currículo e os conteúdos", analisa Soares.

Formação de professores
A qualificação e as condições de trabalho do docente são encaradas como o ponto central a ser atacado para que a educação brasileira consiga avançar na qualidade.

"É preciso reconhecer que é necessário encarar de maneira séria a questão do docente", afirma o professor da USP, Romualdo Portela. No campo da formação, ele defende a melhoria da qualidade dos cursos de pedagogia. No campo da carreira, o foco deve ser a melhoria geral das condições de trabalho. "E não adianta utilizar as políticas de estímulo por meio de bônus. À luz do direito da educação, qualquer ação tem de ser voltada para todos."

A melhoria dos cursos envolve um conjunto de ações, no sentido de mudar o foco da formação e valorizá-la. "Os cursos de pedagogia estão muito atrasados em relação à cultura do mundo do trabalho do século 21. O professor tem de aprender a fazer, não a reproduzir", propõe o professor Portela.

Além da qualidade da formação, Mozart Ramos Neves considera problemático o acesso aos cursos de nível superior, principalmente no Norte e no Nordeste. "No Sul e no Sudeste, os profissionais acabam tendo mais acesso à formação, ainda que ela não seja a ideal. Isso não ocorre no Amazonas, por exemplo, onde a educação a distância é utilizada para formar docente, além de facilitar o acesso de crianças e jovens à Educação Básica."

Neves também aponta a necessidade de fortalecer as políticas e ações de nível nacional para a formação docente, como já ocorre por meio do Plano Nacional de Formação de Professores de Educação Básica (Parfor). Embora o sistema ainda não esteja funcionando a pleno vapor, em locais como a Bahia, onde a situação é crítica - 80% dos 93 mil professores das redes municipais não têm formação - a iniciativa está dando bons resultados.

O quadro de precariedade da formação se replica em outras regiões: no Mato Grosso, o município de Colniza - que integra o grupo de municípios de menor Ideb do país e por isso recebem assessoria do MEC mediante a formulação do Plano de Ações Articuladas (PAR) - também está se valendo do Parfor e outros programas do governo federal para fortalecer a formação docente. O município também se comprometeu a realizar concurso público para regularizar a situação dos professores. Lá, dos 168 professores da rede, somente 48 são efetivos.

Gestão e recursos
Sem dinheiro e planejamento muito pouco se pode fazer em educação. "Não tem como separar gestão de financiamento", afirma o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. O recado vale principalmente para os municípios. "Muitos municípios têm uma arrecadação muito baixa e dependem dos repasses e recursos do governo federal, seja via Fundeb, salário-educação ou programas do PDE."

Assim, não se trata apenas de ampliar a arrecadação: a questão é como os recursos são utilizados. O município de Castro, no Paraná, teve o terceiro maior avanço do Ideb em 2009 no estado, resultado que os dirigentes locais atribuem à chamada gestão em rede e ao planejamento das ações em articulação com as demandas e necessidades da área pedagógica, entre outras iniciativas.

Palmas, no Tocantins, ao aumentar as verbas para a educação, conseguiu um avanço significativo no Ideb entre 2005 e 2007. Medidas destinadas a aprimorar o fluxo, como os programas de correção de distorção idade-série, adotados em várias partes do país, como no Estado do Tocantins, colaboram para uma melhor gestão dos recursos.

Melhorar o planejamento ajuda, mas ainda assim é necessário aumentar o volume de recursos para a educação, defende o professor Portela, da USP. "O Brasil aplica 4,7% do PIB, pouco menos do que os Estados Unidos. A diferença é que os Estados Unidos têm um sistema estável e nós ainda não. Temos necessidades enormes a suprir", avalia.

Por isso, na visão dele, seria necessário que o país assumisse uma postura semelhante à a da Coreia, que investiu 10% do PIB em educação durante duas décadas e conseguiu se tornar uma das potências mundiais nesse campo. "O Brasil investe pouco e mal", sintetiza.
REVISTA EDUCAÇÃO - EDIÇÃO 161








Ações articuladas

Parceria com municípios e universidades federais, além de investimento em salários, garante ao Acre um salto qualitativo na formação de professores

Marta Avancini
Em 1999, o Acre era o estado com pior desempenho no Saeb. Uma década mais tarde, figura entre os dez melhores do Brasil nas avaliações do MEC. O salto de qualidade é resultado de um conjunto de ações, centradas em dois focos: a formação dos professores e a continuidade política das ações. Essa é a avaliação da secretária estadual de Educação, Maria Corrêa da Silva, que afirma: "a permanência do mesmo grupo no governo por 11 anos fez com que fosse possível manter uma mesma linha de trabalho e os resultados estão aparecendo".
Ela conta que, naquela época, um diagnóstico constatou a necessidade de investir em formação e melhorar as condições de trabalho dos professores - além da precariedade da rede física e da centralização excessiva na secretaria de educação. Segundo a secretária, o salário inicial era "muito baixo" (R$ 475 para docentes com magistério) e somente 27% do quadro de professores possuia nível superior. "Estruturamos uma política salarial em conjunto com o sindicato e pactuamos um novo piso de R$ 1.200". A medida foi viabilizada por meio de incorporação das gratificações ao salário.
No campo da capacitação, foram implementados programas de formação inicial em regime de colaboração com os municípios e em parceria com universidades federais. "Em 2011, teremos quase 100% do corpo docente com nível superior", comemora, referindo-se aos 7 mil professores da rede estadual. Os salários também evoluíram: o piso do professor graduado chega perto dos R$ 1.700 para uma jornada de 30 horas semanais.
Para ela, o investimento nos professores foi crucial para melhorar a aprendizagem - isso não significa que há uma relação direta entre desempenho e salário. "Com a melhoria da qualificação e das condições de trabalho, estabelecemos outro patamar de diálogo. É possível cobrar resultados, pois os problemas estruturais foram solucionados", diz.

O trabalho agora se concentra na sala de aula. "Estamos discutindo procedimentos e estratégias para tornar as aulas melhores e mais atrativas", diz a secretária. Outro eixo é a capacitação de técnicos das escolas para utilizar os dados das avaliações na elaboração de seus planos de trabalho.

Outra solução
O Estado da Bahia, onde 80% dos 93 mil professores das redes municipais não têm graduação, está usando a Plataforma Freire do Ministério da Educação para ampliar e facilitar o acesso ao ensino superior. O problema atinge principalmente os anos iniciais do ensino fundamental. A formação é ofertada por um pool de instituições de ensino superior. São 60 mil vagas, das quais 19 mil a distância e o restante presenciais. Do total de vagas, 23 mil estão sendo utilizadas.
A discrepância entre oferta e demanda se deve a uma série de problemas, como a necessidade de melhorar a articulação com os municípios, a fim de atrair mais alunos. Embora a formação seja uma necessidade - e uma prioridade -, há falta de adesão ao programa, muitas vezes, porque as prefeituras não encontram profissionais para substituir aqueles que têm de se ausentar da sala de aula para fazer o curso.

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Disponível em:http://revistaeducacao.uol.com.br Acesso em: 27.09.2010

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Nem lixo, nem gaveta

Gostei muito desse texto da Profª Leiva. Como sempre, sua escrita nos possibilita boas reflexões.

Pretendo, a partir de dados coletados longitudinalmente, a respeito do processo de produção de texto na escola, estabelecer um raciocínio analógico com o filme Central do Brasil, de Walter Sales Júnior.

Na narrativa de ficção, a personagem Dora é uma ex-professora que ganha a vida escrevendo cartas para aqueles que não sabem escrever: os analfabetos da grande central que é este País. Analfabetos em relação à posse do código escrito reconhecem, no entanto, nessa escrita que lhes falta, uma possibilidade de estabelecer algum tipo de interlocução. E, ditando para Dora escrever, revelam, nas notícias, os mais diferentes sentimentos: amor (meu querido), desejo (meu tesão), (quero sentir seu corpo), ódio (você foi a pior coisa que me aconteceu); esperança, fé.

Dora, no entanto, escreve sem ter consciência do grande papel pessoal e social da escrita e realiza sua atividade indiferente aos destinos das pessoas que por ela procuram. Escreve por escrever, sem estabelecer vínculos ou sentido, fingindo que realiza pela escrita a concretização dos desejos expressos nas vozes desses analfabetos.

Então, as cartas jamais são enviadas, o destino delas é o lixo ou a gaveta. Controlando os textos, controla igualmente os destinos dos que não sabem escrever. Arvora-se em ser Deus, em assumir, no contraponto da existência, um determinado poder e selando a vida desse seres de acordo com seu entendimento. Mal sabia Dora que ela também fazia parte de um outro grupo de analfabetos: aqueles que, dominando o código, não conseguem usá-lo de forma a se fazer entender pelo outro.

O que pude perceber, durante quase dez anos de investigação em escolas que atendem ao Ensino Fundamental, é exatamente um descompromisso em relação ao ensino de produção de texto, o que afasta os alunos da possibilidade de entender a linguagem como prática de constituição de si mesmos, da própria linguagem e do mundo que os cerca. Foi possível constatar a existência de uma escola mandatária (manda escrever), sem, no entanto, sistematizar de forma coerente esse ensino.

Com que posso, então, comparar essa atitude? Tal como Dora, os professores que, durante tantos anos, passaram pela vida dos sujeitos de nossa investigação, também se mostraram indiferentes aos efeitos que o ensino da escrita poderia provocar nesses sujeitos, sem consciência do papel ativo que a escrita pode representar e da alteração que esta pode provocar na existência daqueles que ensinam. À moda de Dora, os professores colaboram na produção de texto, só que não oferecem aos alunos possibilidades de retomo, em processo de interlocução. Não há diálogo entre eles. Os cadernos escolares (com exceção de um) nada registram sobre a especificidade e funcionalidade da escrita e, quando indagados a esse respeito, os alunos quase sempre afirmavam que: "a professora não fala nada não. Ela pede sempre pra escrever e pronto".

Trata-se, então, da ausência de um trabalho partilhado, cooperativo, em que práticas discursivas pudessem resultar em produções de novas articulações, capazes de realizar a dialogia no quadro da dinâmica social. Negar esse processo no aluno não equivaleria a torná-lo analfabeto? Conhecer a escrita, mas não saber usá-la é caminho para a submissão. Essa ausência de interação pode ser confirmada ainda em outras passagens: em vários anos de coleta de dados, ao finalizar o ano letivo, professores me procuravam para me "presentear" com textos que os alunos produziam e que não tiveram destinação: "Você quer os textos? Vão para o lixo mesmo". Ou quantos textos ficaram apenas registrados nos cadernos (exercício escolar), como pesos mortos, esquecidos, sem destinatário e, depois, tomaram-se manchas amarelas, sem função primeira? Quantas vezes, visitando as escolas, recebia dos alunos (sobretudo os da camada socialmente desprivilegiada) oferta de textos: "A senhora qué, eu dô, a professora não vai ler mesmo" .

Por outro lado, num confronto ainda mais amplo, a escola não ensinou, em nenhum momento, que escrever é estabelecer interlocução, que escrever é dialogar com o outro não presente. Assim como Dora não sabia o que praticava, igualmente a escola - consciente ou não - não sabe o que pratica. Controla, pois, os atores implicados e segura os destinos desses seres. Não propiciando aos alunos os usos efetivos da escrita, não os capacita para o enfrentamento com o mundo, principalmente quando se enfatiza o domínio da leitura e a escrita como códigos da modernidade.

Reside aí, talvez, o grande choque: Dora, não podendo transformar a vida dos miseráveis da Central, prefere mantê-los onde estão.

A escola mantém onde estão, não todos os sujeitos, mas exatamente aqueles que, como no filme, mais dela precisam. O resultado é a impossibilidade, para esses sujeitos, de se transformarem em produtores protagonistas da própria vida e de se transformarem em produtores de texto da própria história. Então, é mais fácil produzir a exclusão e, com ela, a manutenção das diferenças e legitimação da ordem social existente. No entanto, não é justo viver um tipo de opressão porque não se tem a posse da escrita. Aprender a escrever e escrever como prática interativa é um dos caminhos para a liberdade. É criar a autonomia (não precisa que alguém diga o que o outro tem de escrever e que o faça em seu lugar) estabelecer a competência necessária para a relação com o outro.

No filme, a personagem Dora tem sua vida alterada. Essa alteração tem início no envolvimento com o personagem Josué, em tomo do qual gira a trama. Circunstancialmente começa com ele uma longa caminhada, portadores de uma carta em busca de seu interlocutor e de seu destino. E, no processo de alteração, vai, perplexa, tomando consciência do que seus atos provocaram. Acontece que, para isso, foi preciso que ela mesma percorresse o caminho de elucidação desse processo. Ela mesma teve de realizar a travessia e acaba tendo de ser a portadora pessoal de uma carta que, não fosse outra articulação do destino, teria ido para o lixo, como tantas outras. Dentre várias outras abordagens que o filme permite realizar, retomo duas cenas importantes no processo de travessia de Dora. A primeira delas é quando, encontrando os irmãos de Josué (também analfabetos), se vê na condição de alguém que deve ser o leitor de uma carta que o pai do menino enviara à sua mãe. Dora precisa "ler" em voz alta uma carta, parecida com tantas outras que provavelmente escreveu e jogou no lixo. Vê-se então tomada de um grande susto e precisa tomar coragem para começar a ler. Vive o outro lado do processo: alguém que lê um texto, não para fingir um conteúdo, não para corrigir o que nele está escrito, mas, fundamentalmente, para ler o que nele está contido de história. Para além do código, se transforma em um sujeito que, vivendo a interlocução, estremece. Aqui também a analogia pode ser feita: em nenhum momento da investigação foi possível perceber o professor como leitor de texto do aluno, mas um professor que, na maioria das vezes, dá um visto no caderno. Um visto não significa visto com os olhos e lido em busca de compreensão do que lê. Dora, ao cumprir, ela mesma, o papel de mediadora no processo de interlocução, pôde ter consciência do que de fato esse ato representava. Percebeu que a ação praticada produziu novas relações e, com elas, novos saberes. Viveu, ela mesma, o envolvimento, a interação, uma história de amor com um outro, a entrega. Por isso, pôde rir e chorar.
Hoje, também eu, fazendo travessias, pergunto-me se, para ocorrerem as mudanças que e sejamos em relação a uma educação que qualifique igualmente a todos, não seria necessário que, cada um a seu modo, realizasse a travessia à moda de Dora. Pergunto-me se não falta ao professor partilhar, ele mesmo, esse caminho para poder compreendê-lo. Dizendo melhor: será que não falta, na formação dos profissionais de ensino de Língua Portuguesa, haverem vivenciado um processo de constituição como produtores de texto, uma relação com a escrita e com o papel que ela representa? Não são, os professores mesmos, destituídos dessa interação? Não são sujeitos para quem também foi negada essa possibilidade e, por conseguinte, também não puderam partilhar um caminho individual de relação com a escrita? Talvez seja esta a questão: não poder testemunhar a própria experiência, porque não a tem.

A revelação presente nas últimas cenas do filme permite outra importante constatação: Dora, finda a sua travessia, compreendendo que precisava afastar-se de Josué, começa o seu caminho de volta. Sente que deixa para trás alguém amado, com quem necessita e deseja se comunicar. Quer chorar e então vem a saída: ela abre a bolsa e retira o seu velho bloco de trabalho e uma caneta. Aquele bloco antes usado como forma de enganar, passa a ganhar significação na vida de Dora. "Josué, faz muito tempo que não mando uma carta para alguém. Agora estou mandando essa pra você ...

Ela mesma não tinha, pois, com quem dividir a sua existência. Tece, dessa forma, a tessitura do texto, como quem olha nos olhos do Josué, seu interlocutor, tal como realmente se sente e é: ela também não possui identidade, busca, como Josué, o pai perdido na infância e dele sente saudades. Sabia, portanto, para quem escrevia e para que escrevia. Escreve, pela primeira vez, estabelecendo uma relação entre seres. Faz, então, a travessia necessária na vida e, conseqüentemente, na escrita, naquilo que ela representa. Sabia que essa carta não poderia ficar engavetada, senão, de que se nutriria o seu amor?

Concluindo a analogia iniciada, para que essa mediação produza os efeitos desejados é preciso que o profissional que ensina a ler e a escrever, além da compreensão dos referentes teóricos que possam iluminar o seu fazer, passe pela busca, pela mobilização, e que isto aconteça dentro de um espaço de uma ética criativa (Dora se mobilizou, quando se sentiu responsável por), possibilitando produzir novas ações, novas relações e novos saberes necessários a uma educação que contemple e respeite a interação como fonte de constituição da existência humana. Assim também é preciso que a escola procure um caminho diferente do já traçado e que introduza, na sala de aula, ações realmente interativas, para que a experiência humana de escrever se inserida de forma significativa na vida de sujeitos, conferindo, dessa forma, à linguagem o seu papel na construção da realidade.

(Publicado, originalmente na Revista Presença Pedagógica - v.5, n.27 - mai./jun. 1999).

Leiva de Figueiredo Viana Leal é professora, pesquisadora do Ceale / FAE / UFMG.