sábado, 25 de julho de 2009

Analfabetismo Infantil


No Brasil, 11,5% das crianças de oito e nove anos são analfabetas, segundo o IBGE. O percentual supera a média nacional entreadultos, de 10%. No Nordeste, o índice infantil vai a 23%.
No Maranhão atinge o pico nacional: 38%. Apesar de ter havido redução significativa desde 1982, quando o índice nacional era de 47%, o ritmo da melhora vem caindo. Se for mantido, o país não cumprirá a meta, estabelecida pelo movimento Todos pela Educação, de ter 100% das crianças plenamentealfabetizadas até 2022.
A Provinha Brasil, do Ministério da Educação, que também avalia o nível de alfabetização no segundo ano do ensino fundamental, vem apresentando resultados igualmente dramáticos. Os dados reforçam anecessidade de dar mais atenção à pré-escola.
Entre as crianças que têm dequatro a seis anos, 22% estão fora do pré -fonte certa de estímulos e elementos pedagógicos de grande valia para o desenvolvimento intelectual infantil.
As crianças mais pobres são as que estão mais afastadas da estrutura escolar. Entre famílias cuja renda per capita é de mais de cinco salários mínimos, apenas 5,5% das crianças de quatro a seis anos estão fora da escola. Já entre as que têm renda de até um quarto de salário mínimo per capita, o índice salta para 30%.
A redução da idade mínima obrigatória para ingresso no ensino fundamental -de sete para seis anos- foi decerto benéfica. O governo já discute com os municípios, principais responsáveis pela educação infantil, *a possibilidade de tornar obrigatória também a frequência na pré-escola.* *A universalização e a devida valorização dessa etapa escolar são estratégicas para o país. *É preciso investir mais na instalação e na qualificação da rede de pré-escolas e de creches. Do contrário, o analfabetismo em crianças que já deveriam dominar o básico da língua não será extinto num prazo visível.

Millôr Fernandes

À noite (na penumbra aconchegante das alcovas permissivas), todos os pardos são gatos.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Duas questões lusitanas

Publicado em 21/07/2009 – Gazeta do Povo - PR

Minha proposta herética de que textos literários brasileiros e portugueses sejam traduzidos lá e aqui provocou uma interessante reação de al­­guns leitores, majoritamente contra a tresloucada ideia. Volto ao tema para situar um pouco melhor meu próprio ponto de vista, que se afirmou com excessiva ligeireza. Uma leitora bem-hu­­morada frisou que quem lê para se “sentir em casa” devia “restringir-se aos rótulos de Su­­crilhos e às listas de compras do sacolão”. Certíssima, a leitora. Eu deveria ter acrescentado no meu texto que o leitor gosta de sentir-se linguisticamente em casa. É o charme de um verso como “Ti­­nha uma pedra no meio do caminho”, por exemplo, ou de uma tradução bem feita de um autor chinês ou sueco. Uma das regras universais da boa tradução é que só se usem notas de rodapé em último caso, quando não haja mes­­mo uma expressão equivalente na língua do leitor. No mais, tudo pode ser o bom es­­tra­­nha­­mento que é a alma da boa literatura, desde que a língua entre autor e leitor seja comum.

Outros lembraram Raquel de Queiroz, aqui, e Saramago, lá, como exemplos de recusas indignadas a mudar o texto no outro país. Mas é uma fantasia persecutória imaginar que o texto es­­taria sendo violentado por algozes cruéis, censores terríveis a corromper a força “autêntica” da linguagem, como se uma tradução lá destruísse para sempre a edição original impressa no Brasil e à disposição dos brasileiros – e vice-versa. Que seja pu­­blicado em russo, em alfabeto ci­­rílico, tudo bem – mas trocar, digamos, “Mas a minha menina está tão linda!” por “Ai que a mi­­nha cachopa está tão gira!”, nem pensar! Essa atitude tem uma raiz mais psicológica que linguística – e o resíduo de um com­­plexo de colonizador e colonizado certamente exerce um papel nesse horror à tradução luso-brasileira. Além do visível desejo político de que falemos a mesma língua.


Claro, há aqui algumas premissas inescapáveis da ideia: falo de prosa contemporânea, não de clássicos e nem de poesia, que têm um outro registro – no caso dos clássicos, um registro único. E o pressuposto fundamental é que se trata de duas línguas hoje literariamente distintas, e não apenas de diferenças acidentais de vocabulário. Se estou errado nesse ponto, retiro toda minha argumentação. Sim, do ponto de vista instrumental, são praticamente a mesma língua (e por isso me agrada o conceito do acordo ortográfico); mas não se faz literatura viva com língua instrumental.

A propósito, antes que me confundam: o que digo aqui não tem absolutamente nada a ver com o recente projeto oficial, esse sim de claro matiz lusitano, de obrigar a tradução de “palavras estrangeiras” aprovado pela Assembleia, rematado exemplo de tolice linguística e de como a lin­­guagem serve de argumento difuso para o sempre vivo desejo do Estado, e não só dele, de “vi­­giar e punir” a língua alheia.

Cristovão Tezza é escritor.

Deixemos a língua em paz!

Carlos Alberto Faraco - 17/07/2009

Quando uma autoridade apresenta projetos de regulação do uso social da língua, eu logo me assusto. E me assusto, em primeiro lugar, como cidadão. Hoje, a autoridade quer determinar como devo usar as palavras. Amanhã vai querer dizer que livros poderei ler. Depois, que músicas poderei ouvir. E, por fim, que ideias e crenças estarei autorizado a ter.
Não há como deixar de sentir nestes projetos um forte cheiro de autoritarismo. E essa sensação se agrava – e muito – quando observamos a história do século 20: os governantes que quiseram controlar o uso da língua constituem um time de credenciais nada recomendáveis (Hitler, por exemplo, queria, em nome da defesa da língua pátria, “purificar” o alemão de palavras do iídiche). Sempre me pergunto se este padrão histórico é mero acaso.

Mas, além de reagir como cidadão, reajo também como técnico no assunto. Há uns 40 anos me dedico ao estudo científico das línguas e, por isso, não posso evitar dizer que, subjacente a estes projetos, há um preocupante desconhecimento de como as línguas funcionam.

As línguas ampliam continuamente seu vocabulário. Pelos cálculos de Antônio Houaiss, o português tinha 40 mil palavras no século 16 e tem hoje aproximadamente 400 mil. A história dos últimos 500 anos explica por que nosso léxico teve de aumentar dez vezes. E isso se deu por dois processos: a criação de novas palavras (os chamados neologismos) e a incorporação de palavras de outros idiomas (os chamados empréstimos).

É preciso que se diga que o segundo processo foi, nesse meio milênio, muito mais produtivo que o primeiro. Calcula-se que aproximadamente 35% do nosso vocabulário são de palavras de outros idiomas. Nesse total, estão desde palavras das línguas dos povos que habitavam a península Ibérica antes da ocupação romana até as do inglês incorporadas nos últimos cem anos, passando por aquelas que foram (e continuam sendo) importadas de inúmeras outras línguas americanas, africanas, europeias e asiáticas.

Assim, o uso e eventual absorção de palavras de outros idiomas constituem uma solução e jamais um problema. São um fator de enriquecimento e não de empobrecimento das línguas. Temos, portanto, bons motivos para deixar a língua e seus falantes em paz.

E acrescente-se a isso um outro fato a que poucos atentam: os falantes, na própria dinâmica da vida social, usam palavras de outros idiomas, absorvem algumas e, o mais importante, descartam a maioria, sem que haja a necessidade intervenções legiferantes. Exemplo próximo nosso é o vocabulário do futebol. Quando o “esporte bretão” chegou aqui, praticamente a totalidade das palavras era do inglês. Hoje, sobraram não mais que duas (gol e pênalti). O mesmo processo estamos assistindo agora com o vocabulário da informática: mais de dois terços das palavras do inglês já foram descartados. Felizmente, para horror dos que querem tudo regular, a própria sociedade re­gula o funcionamento da língua. E o faz com mais inteligência e propriedade do que os que se metem a rabequista.


Apesar de tudo isso, a Assembleia aprovou um estapafúrdio projeto de iniciativa do Executivo que obriga que sejam traduzidas palavras de outros idiomas que ocorram em propagandas expostas no estado, estipulando multa de R$ 5 mil para o seu descumprimento.

Como será ele aplicado? O primeiro problema será definir o que são “palavras de outros idiomas”. Pode parecer simples. Mas, considerando que 35% do nosso vocabulário é composto de “palavras de outros idiomas”, como saberemos quais de­­vem ser “traduzidas”? Pizza, show e internet, por exemplo, vão precisar de tradução? E o que é exatamente traduzir? Tec­­nologia bluetooth deverá ser tecnologia dente azul? O que precisamente se estará resolvendo com isso?
E, por fim, quem serão os fiscais aplicadores das multas, se nem os especialistas (os lexicólogos) sabem como estabelecer com precisão quando um estrangeirismo passa a ser um empréstimo? E um empréstimo deixa de ser uma “palavra de outro idioma”?

Carlos Alberto Faraco, professor titular (aposentado) de Linguística e Língua Portuguesa da UFPR, é organizador do livro Estrangeirismos: guerras em torno da língua (Editora Parábola)

domingo, 19 de julho de 2009

Raridade não é milagre

Marcelo Gleiser
São Paulo, domingo, 19 de julho de 2009 - Folha de São Paulo - Ciência
Talvez a confusão entre um fenômeno raro e um milagre seja inevitável, sobretudo se a pessoa for religiosa, procurando na fé respostas para questões que a ciência ainda não respondeu. Mas não deveria ser.
Na semana passada, escrevi sobre uma hipótese científica chamada "Terra Rara". Segundo ela, os avanços das ciências físicas e biológicas apontam para um fato um tanto curioso e de extrema importância: ao contrário do que supõem muitos cientistas, a Terra é um planeta raro.
Por raridade, aqui, quero dizer que nosso planeta tem uma série de propriedades que favorecem a vida e que, tomadas juntas, são bastante difíceis de serem reproduzidas em planetas e em suas luas na nossa ou em outras galáxias. Segundo a hipótese, a raridade da Terra implica na raridade de formas de vida extraterrestre complexas, ou seja, na raridade de seres multicelulares, como insetos ou mamíferos (e seus primos alienígenas).
Os autores da hipótese, Peter Ward e Donald Brownlee, não questionam se bactérias podem ser relativamente fáceis de encontrar em outros planetas e luas que tenham água líquida, química favorável e fontes de energia capazes de manter seu metabolismo.
Mas Ward e Brownlee insistem que "monstros" ou ETs inteligentes devem ser muito raros.A conclusão imediata é que, se a hipótese estiver correta -e eu acho que está, por motivos que explorarei em novo livro que será publicado em 2010-, o homem (ou melhor, os humanos) volta a ser importante. Volta porque, como sabemos, antes de Copérnico sugerir que o Sol, e não a Terra, é o centro do cosmo (ao menos o cosmo do século 16), a Terra e, consequentemente, o homem, era o centro da Criação. Esse antropocentrismo antiquado e de base religiosa não tem nada a ver com o novo antropocentrismo (humanocentrismo seria melhor) que estou propondo.
Esse esclarecimento é importante.Logo após a minha coluna da semana passada ter aparecido, recebi mensagens de vários leitores agradecendo-me por justificar sua crença de que fomos criados por Deus. Ou seja, pessoas ávidas por uma justificação científica para a sua fé em Deus veem a afirmação de que a vida complexa é rara no cosmo como prova de que deve ter surgido milagrosamente por intervenção sobrenatural.
Entendo a necessidade de pessoas quererem achar um lugar para a sua fé na descrição científica do universo.
Mas a raridade da vida complexa e de seres inteligentes não é esse lugar. O fato de um evento ser raro, ou de baixa probabilidade, não faz com que não possa ser explicado por argumentos científicos. Raridade não é milagre.
Achar uma orquídea florescendo na avenida Paulista, ver um tucano sobrevoando o aeroporto de Congonhas, ganhar na loteria, engravidar aos 44 anos ou ver a explosão de uma supernova são todos eventos raros. Nenhum deles é um milagre sobrenatural, embora possa ser tentador para alguns atribuí-los a algo inexplicável.
Essa é a diferença fundamental entre ciência e fé. Na fé, o raro é atribuído a causas sobrenaturais. Na ciência, é um fenômeno natural de pouca frequência. Se a vida complexa for rara no Universo, nós passamos a ser a exceção, não a regra. Apesar de ser tentador atribuir nossa raridade (ou a dificuldade dos vários passos evolucionários até a vida complexa) a um milagre sobrenatural, mais significativo é compreender a importância de sermos um raro acidente da Natureza.
Em vez de darmos graças a Deus por estarmos aqui, devemos tomar nosso destino em nossas mãos e fazer todo o possível para preservar a vida nesse planeta e, por que não, espalhá-la pelo Universo.

Uma escola sem alma

Por Marcelo Coelho
QUANDO VI o trailer, achei que não assistiria ao filme de jeito nenhum. Essa história de mostrar um professor bem-intencionado toureando uma classe de adolescentes desajustados e estúpidos... Haja paciência, pensei.Mas "Entre os Muros da Escola", filme de Laurent Cantet, prende a atenção do início ao fim. Estamos longe de assistir a um daqueles relatos heroicos e idealistas, ao gosto do cinema clássico americano, em que um mestre excepcional regenera o bando de trombadões à sua frente.
O que se mostra, numa escola pública da periferia de Paris, é uma série de situações em que todos estão errados: os alunos, o professor, a instituição escolar, a sociedade globalizada, os princípios da República Francesa. Bela coisa, dirá o leitor brasileiro, consciente do estado calamitoso dos "estabelecimentos de ensino" -belo nome, este- que temos por aqui.
As diferenças são enormes, com efeito. Na França, tudo é muito organizadinho, os professores não faltam, parecem satisfeitos com o salário, as classes são pequenas, o padrão de exigência é elevado. Questões de droga não são mencionadas no filme. Mas os problemas enfrentados pelo professor François (François Bégaudeau) e seus alunos parecem igualmente desesperadores. A classe é multicultural: marroquinos, antilhanos e franceses brancos não se entendem sobre coisa nenhuma, e muito menos entendem algumas palavras e expressões correntes utilizadas pelo professor. "Suculento", "estar com a pulga atrás da orelha", "austríaco": o professor é obrigado a explicar tudo, enquanto destrincha, por exemplo, a métrica de um poema de Rimbaud para seus alunos de 14 anos.
Seria o clássico exemplo da falta de formação básica dos adolescentes, que conhecemos bem no Brasil. Acontece que a França é a França, e isso acaba piorando as coisas. O professor segue um padrão sarcástico e impiedoso, a que foi provavelmente exposto durante sua própria formação escolar.Cada aula se transforma numa sessão de tortura, em que prêmios escassos e humilhações constantes, e quase inconscientes, distribuem-se numa velocidade de tiroteio.
Um jovem muçulmano confessa, a certa altura, ter vergonha de comer na presença da mãe de um colega, com quem não tem intimidade. Provavelmente, algum traço cultural de seu país; uma delicadeza que desconhecemos. O professor não se conforma, espreme o garoto com perguntas embaraçosas, como se quisesse provar o absurdo da atitude. Embora tudo transcorra de forma até certo ponto velada, a situação não deixa de refletir uma concepção típica do republicanismo francês: não apenas a lei tem de ser igual para todos, mas também a escola tem de ser um lugar onde se formam cidadãos teoricamente iguais uns aos outros -nunca um lugar onde se afirmam diferenças de cultura e de religião.
Uma política educacional centrada nas "diferenças", nas "identidades", sem dúvida terminaria fragmentando demais a sociedade. Esmagá-las, com notas baixas no boletim e ironias em classe, está longe de ser a solução. Um professor, evidentemente, é tão humano quanto qualquer aluno, e pode errar a qualquer momento.
O protagonista de "Entre os Muros da Escola" erra muitíssimo; até aí, tudo normal. Mas é fascinante ver que, quando erra, acaba tendo a mesma atitude do pior de seus alunos: finge inocência, esconde o que fez, enrola seus colegas e superiores...
E a dramaticidade maior do filme está nas breves ocasiões em que, talvez, tudo pudesse ter um desfecho diferente. Uma pequena luz brilha nos olhos do aluno indolente, um grão de autoestima começa a brotar no espírito do adolescente humilhado.
Desaparecem: tudo se resolve na aplicação dos regulamentos, das normas. Uma falta assustadora de flexibilidade e de afeto destrói por dentro aquele sistema educacional organizadíssimo -e cego para as necessidades de cada ser humano, aluno ou professor. Os personagens -vividos pelo mais extraordinário conjunto de atores que se pode imaginar- sobrevivem como podem, sofrendo e se irritando, numa atividade cujo sentido e cuja alma se perderam. Perderam-se há tanto tempo, que ninguém mais lembra que deveriam existir.
São Paulo, quarta-feira, 08 de abril de 2009 - Folha de São Paulo

Todo Ponto de Vista é a Vista de um Ponto

Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura.

A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que experiência tem, em que trabalha, que desejos alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. Isso faz da compreensão sempre uma interpretação.

Sendo assim, fica evidente que cada leitor é co-autor. Porque cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita.
Leonardo Boff in A águia e a galinha: metáfora da condição humana.
Petropólis: Vozes, 1999.

vida

A vida é uma frase. Mudamos as vírgulas de lugar.
Caio Batista

Os limites do capital são os limites da Terra

Leonardo Boff - Carta Maior
Data: 15/01/2009

Uma semana após o estouro da bolha econômico-financeira, no dia 23 de setembro, ocorreu o assim chamado Earth Overshoot Day , quer dizer, "o dia da ultrapassagem da Terra". Grandes institutos que acompanham sistematicamente o estado da Terra anunciaram: a partir deste dia o consumo da humanidade ultrapassou em 40% a capacidade de suporte e regeneração do sistema-Terra. Traduzindo: a humanidade está consumindo um planeta inteiro e mais 40% dele que não existe. O resultado é a manifestação insofismável da insustentabilidade global da Terra e do sistema de produção e consumo imperante.
Esta notícia, alarmante e ameaçadora, ganhou apenas algumas linhas na parte internacional dos jornais, ao contrário da outra que até hoje ocupa as manchetes dos meios de comunicação e os principais noticiários de televisão. Lógico, nem poderia ser diferente. O que estrutura as sociedades mundiais, como há muitos anos o analisou Polaniy em seu famoso livro A Grande Transformação, não é nem a política nem a ética e muito menos a ecologia, mas unicamente a economia. Tudo virou mercadoria, inclusive a própria Terra. E a economia submeteu a si a política e mandou para o limbo a ética.
Até hoje somos castigados dia a dia a ler mais e mais relatórios e análises da crise econômico-financeira como se somente ela constituisse a realidade realmente existente. Tudo o mais é secundarizado ou silenciado.
A discussão dominante se restringe a esta questão: que correções importa fazer para salvar o capitalismo e regular os mercados? Assim poderíamos continuar as usual a fazer nossos negócios dentro da lógica própria do capital que é: quanto posso ganhar com o menor investimento possível, no lapso de tempo mais curto e com mais chances de aumentar o meu poder de competição e de acumulação? Tudo isso tem um preço: a delapidação da natureza e o esquecimento da solidariedade generacional para com os que virão depois de nós. Eles precisam também satisfazer suas necessidades e habitar um planeta minimamente saudável. Mas esta não é a preocupação nem o discurso dos principais atores econômicos mundiais mesmo da maioria dos Estados, como o brasileiro que, nesta questão, é administrado por analfabetos ecológicos.
Poucos são os que colocam a questão axial: afinal se trata de salvar o sistema ou resolver os problemas da humanidade? Esta é constituída em grande parte por sobreviventes de uma tribulação que não conhece pausa nem fim, provocada exatamente por um sistema econômico e por políticas que beneficiam apenas 20% da humanidade, deixando os demais 80% a comer migualhas ou entregues à sua própria sorte. Curiosamente, as vitimas que são a maioria sequer estão presentes ou representadas nos foros em que se discute o caos econômico atual. E pour cause, para o mercado são tidos como zeros econômicos, pois o que produzem e o que consomem é irrelevante para contabilidade geral do sistema.
A crise atual constitui uma oportunidade única de a humanidade parar, pensar, ver onde se cometeram erros, como evitá-los e que rumos novos devemos conjuntamente construir para sair da crise, preservar a natureza e projetar um horizonte de esperança, promissor para toda a comunidade de vida, incluídas as pessoas humanas. Trata-se sem mais nem menos de articular um novo padrão de produção e de consumo com uma repartição mais equânime dos benefícios naturais e tecnológicos, respeitando a capacidade de suporte de cada ecosistema, do conjunto do sistema-Terra e vivendo em harmonia com a natureza.
Milkahil Gorbachev, presidente da Cruz Verde Internacional e um dos principais animadores da Carta da Terra, grupo o qual pertenço, advertiu recentemente: Precisamos de um novo paradigma de civilização porque o atual chegou ao seu fim e exauriu suas possibilidades. Temos que chegar a um consenso sobre novos valores. Em 30 ou 40 anos a Terra poderá existir sem nós.
A busca de um novo paradigma civilizatório é condição de nossa sobrevivência como espécie. Assim como está não podemos continuar. Na última página de seu livro A era dos extremos diz enfaticamente Eric Hobsbawm: Nosso mundo corre o risco de explosão e de implosão. Tem de mudar. E o preço do fracasso, ou seja, a alternativa para a mudança da sociedade é a escuridão.
Importa entender que estamos enredados em quatro grandes crises: duas conjunturais – a econômica e a alimentar – e duas estruturais – a energética e a climática. Todas elas estão interligadas e a solução deve ser includente. Não dá para se ater apenas à questão econômica, como é predominante nos dabates atuais. Deve-se começar pelas crises estruturais pois que se não forem bem encaminhadas, tornarão insustentáveis todas as demais.
As crises estruturais, portanto, são as que mais atenção merecem. A crise energética revela que a matriz baseada na energia fóssil que movimenta 80% da máquina produtiva mundial tem dias contados. Ou inventamos energias alternativas ou entraremos em poucos anos num incomensurável colapso.
A crise climática possui traços de tragédia. Não estamos indo ao encontro dela. Já estamos dentro dela. A Terra já começou a se aquecer. A roda começou a girar e nao há mais como pará-la, apenas diminuir sua velocidade ao minimizar seus efeitos catastróficos e ao adaptar-se a ela. Bilhões e bilhões de dólares devem ser investidos anualmente para estabilzar o clima entorno de 2 a 3 graus Celsius já que seu aquecimento poderá ficar entre 1,6 a 6 graus, o que poderia configurar uma devastação gigantesca da biodiversidade e o holocausto de milhões de seres humanos.
De todas as formas, mesmo mitigado, este aquecimento vai produzir transtornos significativos no equilíbrio climático da Terra e provocar nos próximos anos cerca de 150-200 milhões de refugiados climáticos segundo dados fornecidos pelo atual Presidente da Assembléia Geral da ONU, Miguel d'Escoto, em seu discurso inaugural em meados de outubro de 2008. E estes dificilmente aceitarão o veredito de morte sobre suas vidas. Romperão fronteiras nacionais, desestabilizando politicamente muitas nações.
Estas duas crises estruturais vão inviabilizar o projeto do capital. Ele partia do falso pressuposto de que a Terra é uma espécie de baú do qual podemos tirar recursos indefinidamente. Hoje ficou claro que a Terra é um planeta pequeno, velho e limitado que não suporta um projeto de exploração ilimitada.
Em 1961 precisávamos de metade da Terra para atender as demandas humanas. Em 1981 empatávamos: precisávamos de um Terra inteira. Em 1995 já ultrapassamos em 10% de sua capacidade de regeneração, mas era ainda suportável. Em 2008 passamos de 40% e a Terra está dando sinais inequívocos de que já não agüenta mais. Se mantivermos o crescimento do PIB mundial entre 2-3% ao ano, em 2050 vamos precisar de duas Terras, o que é impossível. Mas não chegaremos lá. Resta ainda lembrar que entre 1900 quando a humanidade tinha 1,6 bilhões de habitantes e 2008 com 6,7 bilhões, o consumo aumentou 16 vezes. Se os paises ricos quissessem generalizar para toda a humanidade o seu bem-estar - cálculos já foram feitos - iríamos precisar de duas Terras iguais a nossa.
Em 1961 precisávamos de metade da Terra para atender as demandas humanas. Em 1981 empatávamos: precisávamos de um Terra inteira. Em 1995 já ultrapassamos em 10% de sua capacidade de regeneração, mas era ainda suportável. Em 2008 passamos de 40% e a Terra está dando sinais inequívocos de que já não agüenta mais. Se mantivermos o crescimento do PIB mundial entre 2-3% ao ano, em 2050 vamos precisar de duas Terras, o que é impossível. Mas não chegaremos lá. Resta ainda lembrar que entre 1900 quando a humanidade tinha 1,6 bilhões de habitantes e 2008 com 6,7 bilhões, o consumo aumentou 16 vezes. Se os paises ricos quissessem generalizar para toda a humanidade o seu bem-estar - cálculos já foram feitos - iríamos precisar de duas Terras iguais a nossa.
A crise de 1929 dava por descontada a sustentabilidade da Terra. A nossa não pode mais contar com este fato e com a abundancia dos recursos naturais. Nenhuma solução meramente econômica da crise pode suprir este déficit da Terra. Não considerar este dado torna a análise manca naquilo que é a determinação fundamental e a nova centralidade.
Tudo isso nos convence de que a crise do capital não é crise cíclica. É crise terminal. Em 300 anos de hegemonia praticamente mundial, esse modo de produção com sua expressão política, o liberalismo, destruiu com sua voracidade desenfreada, as bases que o sustentam: a força de trabalho, substituindo-a pela máquina e a natureza devastando-a a ponto de ela não conseguir, sozinha, se auto-regenerar. Por mais estragemas que seus ideólogos vindos da tradição marxiana, keneysiana ou outras tentem inventar saídas para este corpo moribundo, elas não seráo capazes de reanimáa-lo. Suas dores não são de parto de um novo ser mas dores de um moribundo. Ele não morrerá nem hoje nem amanhã. Possui capacidade de prolongar sua agonia mas esgotou sua virtualidadae de nos oferecer um futuro dicernível. Quem o está matando não somos nós, já que não nos cabe matá-lo mas superá-lo, na boa tradição marxiana bem lembrada por Chico Oliveria em sua lúcida entrevista, mas a própria natureza e a Terra.
Repetimos: os limites do capitalismo são os limites da Terra. Já encostamos nestes limites tanto da Terra quanto do capitalismo. A continuar seremos destruídos por Gaia pois ela, no processo evolucionário, sempre elimina aquelas espécies que de forma persistente e continuada ameaçam a todas as demais. Nós, homo sapiens e demens, nos fizemos, na dura expressão do grande biólogo E. Wilson, o Satã da Terra, quando nossa vocação era o de sermos seu cuidador, guardião e anjo bom.
Para onde iremos? Nem o Papa nem o Dalai Lama, nem Barack Obama nem muito menos os economistas nos poderão apontar uma solução. Mas pelo menos podemos indicar uma direção. Se esta estiver certa, o caminho poderá fazer curvas, subir e descer e até conhecer atalhos, esta direção nos levará a uma terra na qual os seres humanos podem ainda viver humananente e tratar com cuidado, com compaixão e com amor a Terra, Pacha Mama, Nana e nossa Grande Mãe.
Esta direção, como tantos outros já o assinalaram, se assenta nestes cinco eixos: (1) um uso sustentável, responsável e solidário dos limitados recursos e serviços da natureza; (2) o valor de uso dos bens deve ter prioridade sobre seu valor de troca; (3) um controle democrático deve ser construído nas relações sociais, especialmente sobre os mercados e os capitais especulativos; (4) o ethos mínimo mundial deve nascer do intercâmbio multicultural, dando ênfase à ética do cuidado, da compaixão, da cooperação e da responsabilidade universal; (5) a espiritualidade, como expressão da singularidade humana e não como monopólio das religiões, deve ser incentivada como uma espécie de aura benfazeja que acompanha a trajetória humana, pois ancora o ser humano e a história numa dimensão para além do espaço e do tempo, conferindo sentido à nossa curta passagem por este pequeno planeta.
Devemos crer, como nos ensinam os cosmólogos contemporâneos, nas virtualidades escondidas naquela Energia de fundo da qual tudo provém, que sustenta o universo, que atua por detrás de cada ser e que subjaz a todos os eventos históricos e que permite emergências surpreendentes. É do caos que nasce a nova ordem. Devemos fazer de tudo para que o atual caos não seja destrutivo mas criativo. Então sobrevivemos com o mesmo destino da Terra, a única casa comum que temos para morar.

O último Trem


PAULO MENDES DA ROCHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Este filme de 1973 de Pierre Granier-Deferre, com Jean-Louis Trintignant e Romy Schneider, é muito comovente. É indispensável no comentário sobre as relações masculino-feminino.Diante dos horrores da última Grande Guerra e da sucessão de imprevistos, a solidariedade indispensável entre o homem e a mulher aparece de um modo imperdível. Há, ainda, uma sublime e delicadíssima visão do erotismo.Esse filme se associa à literatura como conto; poderia ser um Tchekhov ou Cortázar, pois mostra uma atemporalidade da existência humana.Um lindo contraponto, do mesmo diretor, é "O Gato".

Os detalhes


22 de março de 2009

VERISSIMO

Bom dia, madame. Posso lhe ajudar? Claro, claro, olhe à vontade. Sinta-se em casa. Só não repare na bagunça.
Isso aqui? Sei que a senhora vai ficar emocionada. É um pedaço do manto que Maria Madalena usava na Crucificação. O tecido parece sintético, não? Pois não é. Tudo aqui é autêntico. É isso que eu vendo, madame. Relíquias. Farelos da História.
Veja essa ponta de flecha: é da flecha que acertou Aquiles no calcanhar. E o calcanhar de Aquiles do Aquiles, como se sabe, era o calcanhar. Pelo mesmo preço incluo essa pena com que Carlomagno assinou a Magna Carta e essa caixinha de rapé que pertenceu a Luís XIV. E não é tudo. Abra essa outra caixinha que a senhora terá uma surpresa. Cuidado para não espirrar. Sim, são cinzas. O que sobrou da Joana D’Arc. Faço tudo por um preço só e ainda incluo uma tira das sandálias de Pôncio Pilatos.
História do Brasil? Deixa ver... Restos de um charuto do Churchill. Não. A primeira conta de telefone do mundo, em nome de Alexander Graham Bell. Também não. Preciso me organizar. Um sapato de Hernan Cortez? Não interessa.
História do Brasil, História do Brasil... Ah, aqui está. Um pedaço da vara com que Anchieta escrevia na areia. Meu último pedaço, tem tido muita saída. O caroço da jaca que o Cabral comeu na praia. Vai de brinde. Uma fita do Senhor do Bonfim usada pelo Maurício de Nassau. Um dedo de Santa Teresa. Um pedaço da pizza que eu comi ontem, como é que isso veio parar aqui? Doze folhas pautadas em branco que sobraram quando Beethoven terminou sua nona sinfonia. Duas costeletas, perfeitamente conservadas, do Elvis Presley. Uma lasca do palco em que os Beatles se apresentaram pela primeira vez, em Liverpool. A primeira versão de Guerra e Paz, antes de ser condensada pelo Tolstoi. Uma agenda do Kafka, com todas as datas trocadas. Uma composição escolar do Marquês de Sade: “O que eu fiz nas minhas férias com os gatos da redondeza”.
Ah, isso aqui vai arrepiá-la. A orelha do Van Gogh. Eu também tinha o nariz do Rembrandt, mas descobri que era uma falsificação. Preciso ter cuidado com as falsificações. Esses são os detalhes da História, eu sei o que valem. Olhe aqui: todas as aparas de unhas do czar Nicolau. E isso? Não é possível, outro sapato do Hernan Cortez. E outro dedo de Santa Tereza! Tenho que me organizar.
Veja: fragmentos da primeira roda. O anel de formatura do Einstein. Ah, e isso aqui certamente vai lhe interessar. Um esboço, feito em cima da perna, dos Dez Mandamentos. Como a senhora vê, eram para ser 17, mas depois acharam que ficaria difícil lembrar de todos.
O tapa-olho do Camões. Uma mãozinha para coçar as costas, do Hitler. O que a senhora me diz, faço um pacote? A caixinha de rapé do Luís XIV, o caroço da jaca e uma das costeletas do Elvis?




Ponto de vista - Thomas Mann


VEJA, Dezembro de 1941

O romancista alemão Thomas Mann, nascido em Lübeck e antigo morador de Munique, deixou seu país quando Hitler chegou ao poder, em 1933. Em 1940, Mann foi chamado a discursar aos compatriotas através da rede BBC britânica. Esta é uma das mensagens que ele transmite aos outros alemães.
A maior bênção moral que poderia ser concedida ao povo alemão é sua inclusão entre as nações subjugadas. Pois qual veredicto haveria sobre a Alemanha, e que esperanças poderiam ser depositadas nela, se os atos repulsivos que comete sob o atual regime forem cometidos voluntariamente, sob completa consciência? Na União Soviética a juventude da Alemanha, aos milhões, sangra até morrer. Enquanto isso, as quase inexauríveis forças do lado oposto crescem num mundo que queria paz, só pensava em paz, e que no início ficou impotente diante da máquina de guerra alemã.
"Se continuarem do lado de Hitler até o fim, uma vingança virá, assustadora, a todos que querem o bem do nosso país."



A Alemanha encontrará horríveis atribulações se a guerra continuar por mais um ano ou dois – e ela continuará, pois nem vocês conseguem acreditar que derrotarão a maioria da humanidade, contrária aos planos de Hitler. Alemães, não deixem chegar a esse extremo! Vocês mesmos devem derrubar o vil, indizível e degradante governo sob o qual caíram por um negro destino. Devem provar algo em que o mundo ainda se esforça para acreditar: que o nazismo e a Alemanha não são a mesma coisa. Se continuarem do lado de Hitler até o fim, uma vingança virá, assustadora, para todos os que querem o bem da Alemanha.Vejam como as nações oprimidas da Europa resistem ao mesmo inimigo que também oprime vocês! Vocês querem ser menores, mais fracos e mais covardes que os outros? Lembrem-se: as ferramentas usadas para escravizar o mundo são o produto de suas mãos, e Hitler não pode continuar sua guerra sem a ajuda de vocês. Neguem a ele suas mãos, parem de ajudá-lo! No futuro, fará uma enorme diferença se vocês mesmos eliminarem esse homem horroroso ou se isso for feito por forças externas. Apenas se vocês mesmos se libertarem terão o direito de participar da futura ordem justa e livre dos povos.
...

"A Alemanha de Dürer e Bach e Goethe e Beethoven terá um fôlego histórico maior do que a atual."


Gênio alemão - Há muita controvérsia no mundo sobre se é possível diferenciar o povo alemão das forças que o dominam hoje, e sobre se a Alemanha é capaz de se integrar honestamente a uma nova e melhorada ordem das nações, baseada na paz e na justiça, que deverá emanar desta guerra. Sempre que me perguntam isso, dou a seguinte resposta. Admito que o chamado nacional-socialismo tem longas raízes na vida alemã. É uma virulenta perversão de idéias, mas não é de forma alguma estranho à velha e boa Alemanha da cultura e educação. Antes essas idéias viviam em grande estilo; eram chamadas de "romantismo" e exerciam grande fascinação no mundo. Alguém pode muito bem dizer que elas foram por água abaixo, ou que estavam fadadas a ir por água abaixo. Combinadas à notável adaptação da Alemanha à era da tecnologia, elas constituem hoje uma mistura explosiva que ameaça a civilização como um todo. De fato, a história do nacionalismo e do racismo alemães, culminando no nazismo, é uma história longa e feia. Mas confundir essa história com a história do gênio alemão em si é um pessimismo crasso, um erro que poderia ameaçar a paz. Sou bem-intencionado e patriótico o bastante para acreditar que a Alemanha que eles amam, a Alemanha de Dürer e Bach e Goethe e Beethoven, terá um fôlego histórico maior. A outra Alemanha logo ficará sem fôlego: suas atuais bufadas e acessos de cólera não devem ser confundidas com uma grande força. Ela se esgotou, ou está prestes a se esgotar, a literalmente morrer.Sobre isso a toda esperança é baseada. É baseada no fato de que o nazismo - essa realização política de idéias que há pelo menos um século e meio vem fermentando no povo alemão e em sua intelligentsia - é algo extremo e totalmente extravagante, um experimento da máxima brutalidade e imoralidade possíveis, que não pode ser celebrado ou repetido. O abandono de toda a humanidade, a investida cega contra tudo o que une e civiliza o homem, o estupro desesperado de todos os valores e bens espirituais antes estimados também pelos alemães, a ereção do estado de guerra total a serviço do mito da raça e conquista global - não é mais possível fazer isso, não é possível levar isso adiante.
...
"O mundo precisa da Alemanha -mas a Alemanha, ao mesmo tempo, também precisa desse mundo."



Tradições na lama - Se esse experimento abortar, e ele abortará, o nacionalismo alemão, que é o mais perigoso que já existiu, terá se destruído. A Alemanha será forçada a se empenhar numa direção completamente diferente. O mundo precisa da Alemanha, mas a Alemanha, por sua vez, também precisa do mundo. Por não ser capaz de "germanizar" o mundo, ela precisará se assimilar nele, como a maior e melhor Alemanha sempre fez com amor e simpatia. Verá a necessidade de relançar luzes sobre tradições hoje jogadas na lama, mas não menos nacionais do que essas cuja perniciosidade se tornou tão patente. Elas tornarão muito fácil para a Alemanha se unir a um mundo com liberdade e justiça.A Alemanha será mais feliz do que nunca quando integrar um mundo unido, pacífico e livre, despolitizado pela evaporação das soberanias nacionais. Na verdade, a Alemanha é feita para um mundo assim. Porque se a política da força foi algum dia uma maldição e uma distorção da natureza para um povo, ela o foi justamente para o apolítico povo alemão. Um francês malicioso disse certa vez que, se um alemão quer ser gracioso, ele pula da janela. É o que faz, de fato - e com determinação ainda mais selvagem quando quer ser político. Para os alemães, a política da força significa a desumanização: o hitlerismo, esse espectral salto pela janela, prova isso. É ser orgulhoso de algo do qual os alemães jamais foram orgulhosos o bastante. Para nenhum outro povo o fim da política da força será um alívio tão grande, uma promoção tão grande de suas melhores, mais fortes e mais nobres qualidades. E justamente neste tipo de mundo que agora, com ilusório esforço, o povo alemão tenta manter inexistente, essas grandes qualidades serão capazes de se desenvolver com alegria.
Thomas Mann, 66 anos, é escritor. Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 1929, é o autor de Os Buddenbrooks, A Montanha Mágica e de Morte em Veneza.

Que significa agir?

Agir no sentido mais geral do termo significa tomar iniciativa, iniciar, imprimir movimento alguma coisa. Por constituírem um initium, por serem recém-chegados e iniciadores, em virtude do fato de terem nascido, os homens tomam iniciativa, são impelidos a agir. (...) O fato de que o homem é capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. E isto, por sua vez, só é possível porque cada homem é singular, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo. Desse alguém que é singular pode-se dizer, com certeza, que antes dele não havia ninguém. Se a ação, como início, corresponde ao fato do nascimento, se é a efetivação da condição humana da natalidade, o discurso corresponde ao fato da distinção e é a efetivação da condição humana da pluralidade, isto é, do viver como ser distinto e singular entre iguais.

Hannah Arendt – A condição humana

A cigarra e a formiga: a nova versão


MOACYR SCLIAR - Folha de São Paulo

DANÇAR, A CIGARRA QUASE dançou, mas no sentido figurado. Sem nada para comer (entre as cigarras não existe o Fome Zero), ela mal conseguiu sobreviver ao longo e tenebroso inverno. Mas, felizmente, a cruel estação passou e ali estava a cigarra, desnutrida, fraca -mas viva.Viva e ressentida. Contra a formiga, obviamente. Não saía de sua cabeça o diálogo que tivera com a cruel vizinha, a quem, afoitamente, pedira ajuda. Na verdade, nem fora bem isso; pedira um empréstimo, para ser pago com os juros de mercado. Uma transação perfeitamente admissível e que a formiga teria até a obrigação de aceitar. Mas não, não aceitara, e por causa disso a pobre cigarra quase passara desta para a melhor. Sobrevivera, mas já não tinha nenhuma vontade de cantar. Poderia fazer shows em vários lugares, convites não lhe faltavam; o traumatismo emocional, porém, a impedia.

E foi então que leu a notícia sobre o maquiavelismo das formigas. Essas criaturas "traiçoeiras, egoístas e corruptas" eram, segundo respeitáveis cientistas, capazes de qualquer coisa para arranjar uma boquinha para a prole na corte (de preferência com cartão corporativo).
Recorte de jornal em punho, foi procurar a formiga, que, nesse meio tempo, inaugurara uma financeira e agora emprestava dinheiro a juros a todos os insetos da vizinhança. A cigarra teve certa dificuldade em ser admitida no estabelecimento, mas finalmente chegou à formiga. E aí, vibrando de indignação, leu-lhe a notícia e fez um verdadeiro comício: vocês, formigas, são a vergonha do reino animal, vocês não valem nada, só pensam em forrar o bolso etc.A formiga ouvia, impassível. Quando a cigarra terminou, lembrou que o inverno estava se aproximando; portanto, se a cigarra quisesse um empréstimo, seria bom fazê-lo naquele momento -a tendência dos juros futuros era, segundo todas as previsões, de alta. Se a cigarra não quisesse o empréstimo, o caso seria mesmo dançar.

Providencialmente, uma filha da formiga tinha acabado de inaugurar uma escola de dança. Ali, mediante módico pagamento, a cigarra poderia até aprender até a dançar aquele sensacional balé, "A Dança dos Juros"...

País emergente, educação submersa...


Marcos Bagno - Abril de 2009
A Coreia do Sul tem uma população 7 vezes menor que a dos Estados Unidos. No entanto, a cada ano, ela forma o mesmo número de engenheiros que os EUA. Num programa internacional de avaliação, os sul-coreanos ficaram com o 1o lugar em solução de problemas, 1o em leitura, 3o em matemática e 7o em ciência. Em 1945, a taxa de alfabetização no país era de 22%, hoje é de 99%. É o que acontece quando uma nação mobiliza todos os seus recursos em favor da educação. Corta.

Em 2007, divulgou-se o INAF (Indicador de Analfabetismo Funcional): 75% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são incapazes de ler e interpretar adequadamente um texto simples. Se somos hoje quase 200 milhões, significa que 150 milhões são analfabetos funcionais, isto é, pessoas que tiveram acesso à escolarização mas não desenvolveram plenamente as habilidades de leitura (e de cálculo também), o equivalente às populações somadas da França e da Alemanha.

Esses dados não seriam suficientes para escandalizar nossas classes dirigentes? Não. A história da nossa formação social mostra que, há meio milênio, as classes dirigentes brasileiras não só não se escandalizam como tiram o máximo proveito desse abismo social que separa o pequeno círculo dominante da monumental maioria de classes subalternas. Os dados do analfabetismo funcional "coincidem" com os da distribuição (distribuição?) de renda em nosso país, a mais injusta do planeta.

O desenvolvimento econômico do Brasil nos últimos anos e sua crescente importância no panorama internacional - comprovada pela sigla BRIC, iniciais dos "países emergentes" - em nada se fazem acompanhar de um desenvolvimento social que mereça o mesmo destaque. Somos uma nação onde o elemento africano tem um profundo impacto na nossa história musical, religiosa, culinária, afetiva, linguística etc., mas continuamos profundamente racistas. Somos o país em que as desigualdades de salários entre homens e mulheres é das maiores do mundo. Temos um genocídio diariamente praticado contra os adolescentes pobres, negros em sua maioria, eliminados por traficantes e pela polícia. Um sistema carcerário que arrancou lágrimas do observador da Anistia Internacional, que o qualificou de "inferno". E, é claro, uma forte liderança entre os países mais corruptos.

Mais sinistro é comprovar, como as pesquisas vêm mostrando, que a maioria do nosso professorado também se inclui naquele apavorante índice de analfabetismo funcional. Procurados hoje em dia pelos estudantes de origem mais humilde e de baixíssimo letramento, os cursos de licenciatura continuam desconhecendo a realidade social de seu alunado, e vão diplomando milhares de pessoas sem habilitações mínimas para exercer a profissão docente. Já coletei centenas de textos escritos por professores da rede pública do Distrito Federal (maior renda per capita do país) e me surpreendi com sua quase absoluta incapacidade de escrever vinte linhas sobre o próprio ofício.

Enquanto nossas elites governantes ficam se divertindo com BRIC pra lá e G-20 pra cá, incomodadas apenas com as altas e baixas das bolsas, 75% dos brasileiros se veem desde sempre excluídos de qualquer progresso real no plano da cidadania. É triste viver num país emergente com uma educação submersa...

quarta-feira, 25 de março de 2009

segunda-feira, 23 de março de 2009

Tenho certeza de que a leitura não é comparável a nenhum outro meio de aprendizagem e de comunicação, porque ela tem um ritmo que é governado pela vontade do leitor; a leitura abre espaços de interrogação, de meditação e de exame crítico, isto é, de liberdade; a leitura é uma correspondência não só com o livro, mas também com nosso mundo interior através do mundo que o livro nos abre (Italo Calvino).

Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva)

Navegangando na net, encontrei esses poemas. São lindos! Seus autores são realmente geniais. Adorei-os.

Saudade

Saudade dentro do peito
É qual fogo de monturo
Por fora tudo perfeito,
Por dentro fazendo furo.

Há dor que mata a pessoa
Sem dó e sem piedade,
Porém não há dor que doa
Como a dor de uma saudade.



Saudade é um aperreio
Pra quem na vida gozou,
É um grande saco cheio
Daquilo que já passou.

Saudade é canto magoado
No coração de quem sente
É como a voz do passado
Ecoando no presente.

A saudade é jardineira
Que planta em peito qualquer
Quando ela planta cegueira
No coração da mulher,
Fica tal qual a frieira
Quanto mais coça mais
quer.

Antônio Gonçalves da Silva, conhecido como Patativa do Assaré, nasceu numa pequena propriedade rural de seus pais em Serra de Santana, município de Assaré, no sul do Ceará, em 05-03-1909. Filho mais velho entre os cinco irmãos, começou a vida trabalhando na enxada. O fato de ter passado somente seis meses na escola não impediu que sua veia poética florescesse e o transformasse em um inspirado cantor de sua região, de sua vida e da vida de sua gente. Em reconhecimento a seu trabalho, que é admirado internacionalmente, foi agraciado, no Brasil, com o título de doutor "honoris causa" por universidades locais. Casou-se com D. Belinha, e foi pai de nove filhos. Publicou Inspiração Nordestina, em 1956. Cantos de Patativa, em 1966. Em 1970, Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados Patativa do Assaré. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Sua memória está preservada no centro da cidade de Assaré, num sobradão do século XIX que abriga o Memorial Patativa do Assaré. Em seu livro Cante lá que eu canto cá, Patativa afirma que o sertão enfrenta a fome, a dor e a miséria, e que "para ser poeta de vera é preciso ter sofrimento".O poeta faleceu no dia 08/07/2002, aos 93 anos.

O texto acima foi extraído do livro "Ispinho e Fulô", editado pela Universidade Estadual do Ceará/Prefeitura Municipal de Assaré - 2001, pág. 138.

Florbela Espanca

Esquecimento

Esse de quem eu era e era meu,

Que foi um sonho e foi realidade,

Que me vestiu a alma de saudade,

Para sempre de mim desapareceu.

Tudo em redor então escureceu,

E foi longínqua toda a claridade!

Ceguei... tateio sombras... que ansiedade!

Apalpo cinzas porque tudo ardeu!

Descem em mim poentes de Novembro...

A sombra dos meus olhos, a escurecer...

Veste de roxo e negro os crisântemos...

E desse que era eu meu já me não lembro...

Ah! a doce agonia de esquecer

A lembrar doidamente o que esquecemos...!

Florbela d'Alma da Conceição Espanca tem hoje seus versos admirados em todos os cantos do mundo, diferentemente do que aconteceu quando ainda viva, época em que foi praticamente ignorada pelos apreciadores da poesia e pelos críticos de então. Os dois livros que publicou, por sua conta, em vida, foram "O Livro das Mágoas" (1919) e "Livro de "Sóror Saudade" (1923). Às vésperas da publicação de seu livro "Charneca em Flor", em dezembro de 1930, Florbela pôs fim à sua vida. Tal ato de desespero fez com que o público se interessasse pelo livro e passasse a conhecer melhor a sua obra. Dizem os críticos que a polêmica e o encantamento de seus versos é devida à carga romântica e juvenil de seus poemas, que têm como interlocutor principal o universo masculino.

Texto extraído do livro "Sonetos", Bertrand Brasil - Rio de Janeiro, 2002, pág. 181.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Amanhã(20.03) é aniversário de morte do nosso grande escritor Graciliano Ramos. Para mim, seus textos são o que há de melhor na literatura. O livro Infância é realmente impressionante. Ontem li, dessa obra, um capítulo chamado Um cinturão. Nele, o autor relata castigos sofridos, os quais foram cometidos pelos seus pais. A leitura fez-me refletir que a prática da violência doméstica contra as crianças parece ser um traço da sociedade brasileira. Criança aqui tem sido historicamente saco de pancada dos adultos e isso parece meio naturalizado.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009



Anton Pavlovich Tchecov (29 de Janeiro 1860 - 15 de Julho 1904) foi um dos principais contistas e dramaturgos russos, além de médico. Muitos dos seus contos são considerados a apoteose desta forma de expressão, enquanto sua carreira como dramaturgo, embora curta, teve um grande impacto na literatura dramática. De Tchecov muitos dramaturgos aprenderam como usar o humor, a trivialidade evidente e a inação para destacar a psicologia interna de seus personagens. As quatro peças principais de Tchecov - a Gaivota, Tio Vânia, As Três Irmãs e O Jardim das Cerejeiras - foram todas reencenadas muitas vezes desde suas estréias.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O ser humano é mesmo um bicho espantoso. Vi ontem – 22.02 – o vídeo Divórcio na Albânia – no Canal futura - e fiquei chocada. Eis a sinopse:
Divórcio na Albânia revela a experiência de milhares de famílias obrigadas a se separarem no período do regime totalitário de Enver Hodja, o ditador europeu que permaneceu no poder por mais tempo no século XX.
Esse vídeo está disponível no You Tube. Recomendo

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Susi

By José Saramago

Pudesse eu, e fecharia todos os zoológicos do mundo. Pudesse eu, e proibiria a utilização de animais nos espectáculos de circo. Não devo ser o único a pensar assim, mas arrisco o protesto, a indignação, a ira da maioria a quem encanta ver animais atrás de grades ou em espaços onde mal podem mover-se como lhes pede a sua natureza. Isto no que toca aos zoológicos. Mais deprimentes do que esses parques, só os espectáculos de circo que conseguem a proeza de tornar ridículos os patéticos cães vestidos de saias, as focas a bater palmas com as barbatanas, os cavalos empenachados, os macacos de bicicleta, os leões saltando arcos, as mulas treinadas para perseguir figurantes vestidos de preto, os elefantes mal equilibrados em esferas de metal móveis. Que é divertido, as crianças adoram, dizem os pais, os quais, para completa educação dos seus rebentos, deveriam levá-los também às sessões de treino (ou de tortura?) suportadas até à agonia pelos pobres animais, vítimas inermes da crueldade humana. Os pais também dizem que as visitas ao zoológico são altamente instrutivas. Talvez o tivessem sido no passado, e ainda assim duvido, mas hoje, graças aos inúmeros documentários sobre a vida animal que as televisões passam a toda a hora, se é educação que se pretende, ela aí está à espera.
Perguntar-se-á a que propósito vem isto, e eu respondo já. No zoológico de Barcelona há uma elefanta solitária que está morrendo de pena e das enfermidades, principalmente infecções intestinais, que mais cedo ou mais tarde atacam os animais privados de liberdade. A pena que sofre, não é difícil imaginar, é consequência da recente morte de uma outra elefanta que com a Susi (este é o nome que puseram à triste abandonada) partilhava num mais do que reduzido espaço. O chão que ela pisa é de cimento, o pior para as sensíveis patas deste animais que talvez ainda tenham na memória a macieza do solo das savanas africanas. Eu sei que o mundo tem problemas mais graves que estar agora a preocupar-se com o bem-estar de uma elefanta, mas a boa reputação de que goza Barcelona comporta obrigações, e esta, ainda que possa parecer um exagero meu, é uma delas. Cuidar de Susi, dar-lhe um fim de vida mais digno que ver-se acantonada num espaço reduzidíssimo e ter de pisar esse chão do inferno que para ela é o cimento. A quem devo apelar? À direcção do zoológico? À Câmara? À Generalitat?
P. S.: Deixo aqui uma fotografia. Tal como em Barcelona há grupos – obrigado - que têm pena de Susi, na Austrália também um ser humano se compadeceu de um marsupial vitimado pelos últimos incêndios. A fotografia não pode ser mais emocionante.

















A imagem dispensa qualquer comentário.





Com periodicidade bianual instalada a partir de 1981, o COLE reúne e aproxima diferentes profissionais nacionais e estrangeiros ligados ao universo do livro e da leitura como espaço de reflexão e socialização de experiências, de produção e divulgação de pesquisas e projetos educativos, de aprofundamento e entendimento das práticas culturais, de atuação e incentivo a políticas públicas. Nessa linha do tempo de mais de 30 anos, o COLE criou uma tradição de rigor naquilo que acredita e propõe para o campo da leitura no Brasil. Tanto é assim que os três últimos Coles (2003, 2005 e 2007) reuniram na Unicamp mais de 4.500 participantes inscritos e uma média de 2000 trabalhos em sessões de comunicação.
A 17ª edição, agendada para o período de 20 a 24 de julho de 2009, pretende não apenas comemorar esses 30 anos de história do COLE, mas também divulgar a história do evento em um espaço de discussão do seu itinerário no cenário cultural e educacional do Brasil e de reflexão e construção de novos caminhos de atuação e parcerias na luta pela democratização da leitura. Mais especificamente, o 17º COLE pretende ser retrospectivo, debruçando-se e refletindo sobre o vasto acervo constituído ao longo do seu percurso, e propositivo, reforçando e delineando idéias que venham a se transformar em sustentáculos para a democratização da leitura no país.

Achei muito linda essa imagem


Decidi registrar aqui algumas citações de Dostoiévski.
1. É melhor ser infeliz, porém estar inteirado disso, do que ser feliz e viver sendo feito idiota;
2.Se queres vencer o mundo inteiro, vence a ti mesmo;
3. E para que enganar-se? É a mais vã e imprudente dasocupações.
4. O que mais me apavora é que abeleza não só é terrível, mas também misteriosa. O demônio luta com Deus e o campo da batalha são os corações humanos.
5. Confesso-lhe que estou um tanto desapontada por você não ter se apaixonado por mim. Por aí se vê que as mulheres nunca podem acreditar nos homens!
Hoje li um texto bem interessante. Aliás, ultimamente tenho lido várias coisas que têm me chamado a atenção. Tezza, Saramago, Marcelo Coelho, Veríssimo, Cony, Faraco etc. Artigos de revistas: Cult, Caros Amigos, Diplomatique, Língua Portuguesa, Carta na Escola, Mente & Cérebro, Piauí e outras. Sem falar dos textos na net. Nela, tenho visitado alguns blogs mui bons. O Física na veia, por exemplo, é ótimo! Fiquei sabendo dele através do blog da Doralice - na Mira do Leitor - que escreve na Gazeta do Povo de Curitiba. Descobri a semana passada a revista Paradoxo. É boa. Ah, a Entrelivrosclássicos nº 7 dedicada a Dostoiévski é sensacional. Já na capa tem a seguinte citação do escritor russo: " A maior felicidade é quando a pessoa sabe porque é infeliz" Que sacada! Os artigos são todos maravilhosos. Um prazer de leitura.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009


Adorei essa crônica do Cristovão Tezza. Está publicada na Gazeta do Povo de Curitiba

Uma frase qualquer
Há alguns dias estive em Natal, no Rio Grande do Norte, num simpático encontro literário – ou na cidade do Natal, como as placas fazem questão de escrever. A primeira pergunta que eu ouvia onde quer que fosse era se eu já havia estado lá, e relembrei meu encontro inverossímil com aquela cidade. Sim, já estive em Natal, uma única vez, nos idos de 1977 – essas confissões acabam sempre entregando a idade –, participando de uma equipe de xadrez dos Jogos Universitários. Até aí, tudo bem. O fantástico é que fui representando o estado do Acre, que enviava orgulhosamente duas delegações, a de Handebol e a de Xadrez. O que eu estava fazendo no Acre fica para outra vez, mas guardo até hoje a surpresa de descobrir, no mapa e de fato, numa viagem interminável, com seis conexões, que o Brasil é mais largo que alto: não parece, mas a distância entre Cruzeiro do Sul, no Acre, e Natal, é maior que a distância entre o bem mais famoso eixo do Oiapoque ao Chuí, que sempre sai na fotografia. Além da aventura da viagem, recordo pouco daquele tempo – do alojamento em colchões no chão em salas de um colégio, das palavras de ordem contra a ditadura e de uma maravilhosa guerra de tomates no refeitório. Lembro também do Morro do Careca, com suas areias verticais em forma de tobogã, ou de cascata, ladeadas de mato.
Pois é exatamente o morro que eu via agora de novo, três décadas depois, curtindo minha maravilhosa mordomia de escritor convidado na varanda cinematográfica do apartamento do hotel, diante da praia com seus verdes mares bravios, aqui e ali manchados charmosamente de sargaços. Um paraíso tranqüilo, sempre com um sopro de vento para amainar o calor, e com a infalível boa culinária do Nordeste a temperar o encontro.
Estou muito longe de Curitiba, mas súbito dou com uma réplica do célebre olho do museu de Niemeyer, com seu jeitão de nave espacial, desta vez recém-plantado 45 metros acima, no centro do Memorial de Natal, para onde uma van nos leva num passeio. Do alto do obelisco que agora preserva uma área das dunas ameaçada pela especulação imobiliária, vemos a cidade derramando-se em torno. Presto atenção nas histórias do legendário ex-deputado Sebastião Nery, que nos acompanha – dono de uma memória giratória, jura lembrar de mim 40 anos atrás, num encontro em Curitiba com Philomena Gebran e W. Rio Apa. O melhor foi um jantar à noite com Carlos Heitor Cony, provavelmente o escritor com mais páginas rodadas na história do Brasil. Confessou que, numa época, chegava a escrever oito crônicas por semana, e que às vezes batia-lhe o desespero da falta de assunto. Claro que, cronista aprendiz, o tema me interessou profundamente. “E quando falta assunto?”, perguntei.
– Quando falta assunto, escrevo uma frase qualquer e sigo adiante.
Atento à voz do mestre, acabo de testar a receita. Parece que dá certo.
Cristovão Tezza é escritor.