Esse blog tem por objetivo registrar leituras, publicar artigos, resumos, fotos e imagem.
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Charge do dia: vista curta
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Historinha bem humorada...
O soldado olhou para o homem e disse: "Senhor, o Sr. Serra não é presidente e não mora aqui."
O homem disse: "Está bem." E se foi.
No dia seguinte, o mesmo homem idoso se aproximou do Palácio da Alvorada e falou com o mesmo Dragão: "Por favor, eu gostaria de entrar e me entrevistar com o Presidente Serra." O soldado novamente disse: "Senhor, como lhe falei ontem, o Sr Serra não é presidente e nem mora aqui." O homem agradeceu e novamente se foi.
Dia 04 de janeiro ele voltou e se aproximou do Palácio Alvorada e falou com o mesmo guarda: "Por favor, eu gostaria de entrar e me entrevistar com o Presidente Serra."
O soldado, compreensivelmente irritado, olhou para o homem e disse: "Senhor, este é o terceiro dia seguido que o Senhor vem aqui e pede para falar com o Sr. Serra. Eu já lhe disse que ele não é presidente, nem mora aqui. O Senhor não entendeu?"
O homem olhou para o soldado e disse: "Sim, eu compreendi perfeitamente, MAS EU ADORO OUVIR ISSO!!!"
O soldado, em posição de sentido, prestou uma vigorosa continência e disse: "Até amanhã, Senhor!!!"
Postado por Anna Christina Bentes
Disponível em: http://annabentes.blogspot.com . Acesso em: 27.10.2010
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
Almoço no Guinza
Disponível em http://www.desaboya.com.br/. Acesso em: 22.10.2010
Charge - Ivan Cabral
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Palavras da moda - Sírio Possenti
Palavras entram no mercado lingüístico por razões diversas. Dou dois exemplos.
Nas últimas semanas, especialmente a propósito da situação dos mineiros chilenos que finalmente foram resgatados, falou-se muito em "socorrista", que dicionários registram, mas cujo emprego era absolutamente raro (eu nunca tinha ouvido). No dia 16/10/2010, ouvi também "resgatista". O jornal falava de um desmoronamento em mina chinesa. Por algum tempo, desastres assim estarão na moda, acho. Como alguns bispos e pastores que logo desparecerão da mídia.
Procurei -ista no mesmo dicionário, já que uma de suas características é fornecer diversas informações sobre os sufixos muito produtivos. Manda ver -ismo, o que equivale a dizer que palavras em -ista têm um sentido associado à palavra correspondente em -ismo (getulismo, getulista; socorrismo, socorrista). O dicionário fornece diversos sentidos de -ismo e, claro, de -ista: em getulista, -ista significa adepto, simpatizante, seguidor; em socorrista, o agente (do socorro).
Outras palavras entram no mercado por razões diferentes. Não acompanham acontecimentos midiáticos, sensacionais. Trata-se ainda de acontecimentos, mas de outra natureza. Um bom exemplo é a palavra "empregabilidade".
Um dos aspectos que chamam atenção é que sua "derivação" é regular: destaquem-se as regras que foram produtivas diacronicamente (mudança de v > b e de e > i): empregável > empregabilidade (como em amável > amabilidade e centenas de outras palavras) e que continuam produtivas sincronicamente.
Outros aspectos importantes são sua circulação e seu sentido ideológico. Mais ou menos em meados nos anos 90, a palavra, então de uso raro, passou a ser freqüente em jornais, na pena ou na boca dos próprios jornalistas (que repetiam um discurso que começava a sem impor) ou na de autoridades e especialistas em questões de trabalho. Mesmo uma análise simples mostra que houve uma mudança política de foco: em vez de falar de "emprego" / "desemprego", passou-se a falar de "empregabilidade" / "não empregabilidade" (que eu saiba, ninguém falou em "desempregabilidade"...).
O que explicava esta mudança, e a consequente "popularização" da palavra? Com novas tecnologias nas fábricas (robôs) e em outros estabelecimentos (caixas automáticos, computadores) e com o advento de novas formas de trabalho (mais serviços do que indústrias), passou-se a exigir maior capacitação individual do trabalhador.
Ou seja, para certa posição política / ideológica, a questão deixava de ser se as fábricas empregavam mais ou menos trabalhadores e passou a ser se os trabalhadores tinham ou não qualificação para ocupar os "novos" postos de trabalho. Ou seja, a questão passou a ser se eles eram empregáveis, se tinham esse predicado. Em épocas de recessão, é fácil perceber que isso significava também "culpar" o cidadão em vez de culpar o sistema "produtivo", como se fazia antes, pelo desemprego.
FHC, em discurso recente: "Lula fez coisas boas, que reconheço. Agiu bem na crise financeira. Para que, meu Deus, então ser tão mesquinho? É isso que eu quero perguntar para ele. Por que isso, rapaz?".
Lembrei o evento em que o deputado Joe Wilson, que gritou "you lie, boy", enquanto Obama discursava.
Grave não é discordar ou chamar não importa quem para uma conversa. Sintomáticas são as expressões: "boy" lá, "rapaz", aqui. Coisas da Casa-grande aqui, coisa de branco lá.
Disponível em: http://terramagazine.terra.com.br/. Acesso em: 21.10.2010
Veríssimo
Qual o maior cronista vivo? Luis Fernando Verissimo. Até no mundo dos mortos, ele se daria bem. Acredito que arrebataria o vice-campeonato, ficando somente atrás de Rubem Braga. A vantagem do capixaba seria simbólica, talvez pelo saldo de gols. Os dois foram fundamentais na definição do gênero no Brasil. O primeiro construiu toda a estrutura da crônica, diferenciando o texto leve e lírico do conto; o segundo confundiu tudo, aproximando a crônica novamente do conto com o uso perfeito dos diálogos.
E de quem sou interino? Luis Fernando Verissimo. Ao receber cumprimentos pela substituição, sempre penso que são pêsames. Minha culpa é explicar:
– Logo Luis Fernando volta, meu trabalho é aumentar a saudade dele.
Vejo que o jornal Zero Hora se dispõe a destruir minha carreira. Não há como sobreviver a sua interinidade. Mesmo que tocasse clarinete nas horas vagas e criasse um Jazz 7.
Ainda por cima, sou uma matraca, correndo graves riscos de dizer bobagem. Verissimo é o contrário: contido. Suas palestras são mímicas, dispensam a tradução para Libras. Os amigos falam por ele e ele retribui escrevendo pelos amigos. Um negócio perfeito.
Emudeci nos momentos em que abracei o autor. Permaneço quieto, e ele, quieto. É possível ouvir nossa respiração soletrada. Um repete o outro. Tudo bem? Tudo bem. Céu azul? Céu azul. Ele não sofre com o desespero. Não é problema de falta de assunto, é temperamento. Encontrar-se com Verissimo é entrar no elevador: ninguém solta um pio. É ter a solidão reembolsada com juros.
Ansioso, faço loucuras para romper o nervosismo, inclusive confessar os pecados. Como ele é célebre pela sua timidez, qualquer timidez em sua frente é uma imitação. Para ele, aquilo é rotina; para mim, é mal-estar. Praticamente impossível ser inteligente ao lado de um homem quieto.
Como não conseguirei vencê-lo na escrita, decidi superá-lo no silêncio. Precisava de muito treino. Experimentei dois dias longe de minha voz. Os filhos não compreendiam, sondavam que virei Hare Krishna. Não atendi telefone, e almocei e jantei calado.
Quando calculei que estava pronto, fui ao combate. Empreguei golpes baixos como piscar e pigarrear. Quase bati palmas perto de seus cílios. Ele se conservava imutável. Não mexia os braços e os lábios.
Uma hora e meia de completa meditação, e desisti, perguntei se tinha um lenço para secar o suor. Ele me alcançou do bolso de trás da calça. E, sem piedade, o cretino não proferiu nenhuma palavra de consolo. Não posso brincar de estátua com quem já é uma.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Encerramento da disciplina Tópicos Linguísticos - Curso Pedagogia
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
domingo, 17 de outubro de 2010
A TORTURA DA CARNE (Parte 1)
Eugênio Irtenieff tinha razões para aspirar a uma carreira brilhante. Para tal nada lhe faltava, a sua educação fora muito cuidada; terminara com brilho os estudos na Faculdade de Direito de S. Petersburgo e, por intermédio do pai, falecido havia pouco, conseguira as melhores relações na alta sociedade. Basta dizer-se que entrara para o Ministério pela mão do próprio Ministro. Possuía também uma avultada fortuna, embora esta já estivesse comprometida. O pai vivera no estrangeiro e em S. Petersburgo e dava a cada um dos seus filhos, Eugênio e André, uma pensão anual de seis mil rublos, e ele e a mulher de nada se privavam, gastavam à larga. No verão, passava dois meses no campo, mas não administrava diretamente as suas propriedades, confiando tal encargo a um encarregado que por sua vez, embora este fosse pessoa da sua inteira confiança, deixava andar tudo ao Deus dará.
Por morte do pai, quando os dois irmãos resolveram liquidar a herança, apareceram tantas dívidas que o advogado aconselhou-os a ficarem apenas com uma propriedade da avó, que fora avaliada em cem mil rublos, e desistirem do restante. Mas um vizinho da herdade, igualmente proprietário, que tivera negócios com o velho Irtenieff, veio a S. Petersburgo propositadamente para apresentar uma letra aceite por este - e fez-lhes saber que, apesar das grandes dívidas, poderiam chegar a acordo com ele e ainda refariam grande parte da fortuna. Para tal, bastava que vendessem a madeira, alguns bocados de terreno bravio e conservassem o melhor, isto é, a propriedade de Semionovskoié, uma verdadeira mina de ouro, com as suas quatro mil geiras de terra, duzentas das quais de belos pastos, e a refinaria. Afirmou ainda que, para tal se arranjar, era indispensável que uma pessoa enérgica se entregasse de corpo e alma a essa tarefa instalando-se no campo para administrar a herdade inteligente e economizante.
O pai morrera na altura da quaresma e na primavera, Eugênio, foi à propriedade; depois duma inspeção minuciosa, resolveu pedir a sua demissão de oficial do exército e fixar lá residência com a mãe, a fim de dar execução às sugestões do vizinho. Mas antes disso, contratou o seguinte com o irmão: pagar-lhe anualmente quatro mil rublos, ou entregar-lhe duma vez só oitenta mil, com o que ficariam saldadas as suas contas.
Eugênio, logo que se instalou com a mãe na velha casa, atirou-se com coragem e prudência à revalorização das terras. Pensa-se, em geral, que os velhos são conservadores impenitentes e que, pelo contrário, os novos tendem mais para as modificações. Mas não é bem assim! Às vezes, mais
conservadores são os novos que desejam viver e não têm tempo de pensar na maneira como devem fazê-lo, por isso se entregam à vida tal como ela é.
Minicontos vencedores
1º lugar
2º lugar
3º lugar
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
Acreditar e Realizar em Educação
Em homenagem aos meus alunos-professores, publico esse vídeo. Achei-o muito emocionante. A música dispensa comentários.Confiram!
Dia do Professor - 15.10.2010
terça-feira, 12 de outubro de 2010
O argumento de Marilena Chauí para atrair o voto verde
Data: 12/10/2010
"O mapa da votação mostra que José Serra foi vitorioso em todas as regiões da agroindústria. Portanto, foi vitorioso nas regiões que, no meu tempo, quando era jovem, chamávamos de latifúndio. Ele foi vitorioso no latifúndio e no latifúndio que ataca o meio ambiente e que impede a Reforma Agrária".
"Não é pouco. Não é pouco que isso se refira à estrutura da terra criada desde a colonização, que isso seja ligado aos obstáculos contra a Reforma Agrária que se refira também ao ataque contra o meio ambiente".
"Então, é preciso conversar com os ambientalistas, pelos quais tenho o maior respeito. Ao chegar na minha idade, a questão principal é o futuro das novas gerações. Eu penso nos jovens que estão aqui. Eu penso nos meus netos. É preciso lembrar aos ambientalistas que apoiar José Serra significa apoiar a agroindústria e, portanto, o ataque ao meio ambiente e à possibilidade de reformar a situação da terra no Brasil".
Disponível em: http://www.cartamaior.com.br. Acesso em: 12.10.2010
Elias Canetti
Mas as belas conversas daquele tempo eram as que eu mantive com meu pai. Pela manhã, antes de ir para o escritório, ele vinha ao quarto das crianças e tinha palavras adequadas a cada um de nós. Ele era inteligente e divertido, e sempre inventava novas brincadeiras. Essa curta aparição era feita antes do café da manhã, que ele tomava na sala de refeições com a minha mãe, quando ainda não havia lido o jornal. Ao anoitecer, voltava com presentes para cada um de nós, e não houve um único dia em que ele voltou para casa sem nos trazer algo. Então ficava mais tempo e fazia ginástica conosco. Do que ele mais gostava era nos sustentar, os três, de pé sobre seu braço estendido. Ele segurava os dois pequenos, mas tinha de aprender a me equilibrar, e, embora o amasse mais do que qualquer outra pessoa, sempre tinha um pouco de medo dessa parte do exercício.
Era uma série para crianças e todos os livros tinham o mesmo formato; se diferenciavam pela ilustração colorida na capa. As letras tinham o mesmo tamanho em todos os volumes e era como se continuasse a ler sempre o mesmo livro. Como série, nunca houve outra igual. Lembro-me de todos os títulos. Depois das Mil e Uma Noites vieram os Contos de Grimm, Robinson Crusoé, As Viagens de Gulliver, Contos de Shakespeare, Dom Quixote, Dante, Gulherme Tell. Pergunto-me, agora, como foi possível adaptar Dante para crianças. Em todos os volumes havia diversas figuras coloridas, mas eu não gostava delas, pois as histórias me pareciam muito mais bonitas; nem sei mesmo se hoje eu reconheceria as figuras. Seria fácil demonstrar que quase tudo aquilo a que minha formação estava nos livros que, por amor ao meu pai, li aos sete anos de idade. De todos os personagens que depois me acompanharam para sempre, só faltava Ulisses.
Comentava com meu pai cada um dos livros que lia. Às vezes ficava tão excitado, que ele tinha de me acalmar. Mas nunca me disse, à maneira dos adultos que os contos eram mentiras; sou-lhe especialmente grato por isso; talvez ainda hoje eu os considere verdadeiros. Logo percebi que Robinson Crusoé era diferente de Simbad o Marujo, mas nunca me ocorreu que uma dessas histórias pudesse ser considerada inferior à outra. Sobre o inferno de Dante, aliás, tive pesadelos. Quando ouvi minha mãe lhe dizer: “Jacques, você não deveria ter-lhe dado este, é cedo demais para ele”, receei que ele deixasse de me trazer livros, e aprendi a manter meus sonhos em segredo. Creio também – mas não posso ter certeza –, que minha mãe estabeleceu uma relação entre minhas freqüentes conversas com as figuras do papel de parede e os livros. Foi a época em que eu tive menos afeto por minha mãe. Fui suficientemente esperto para farejar o perigo, e talvez não tivesse abandonado tão pronta e fingidamente as minhas conversas com as figuras do papel de parede, se os livros e as conversas com meu pai sobre eles não se tivessem tornado a coisa mais importante do mundo, para mim.
Mas ele, de modo algum, se deixou influenciar, e após Dante tentou Guilherme Tell. Foi nessa ocasião que, pela primeira vez, ouvi a palavra “liberdade”. Ele fez algum comentário a respeito, que esqueci. Mas acrescentou que a razão pela qual havíamos vindo para a Inglaterra era porque aqui seríamos livres. Eu sabia o quanto ele amava a Inglaterra, enquanto o coração de minha mãe estava em Viena. Meu pai se esforçava por aperfeiçoar seu inglês, e uma vez por semana uma professora vinha lhe dar aulas em casa. Eu notava que suas frases em inglês lhe saíam diferentes das frases em alemão, a língua que lhe era fluente desde a juventude e que ele costumava falar com minha mãe. Ouvia-o dizer e repetir frases soltas. Ele as pronunciava devagar, como se fossem algo belo que lhe causava prazer e que ele repetia várias vezes. Conosco, as crianças, ele agora só falava inglês; o ladino, que até então fora a minha língua, ficou relegado a segundo plano e eu só o ouvia de outras pessoas, especialmente parentes mais idosos.
Os comentários sobre os livros que eu lia, ele só queria ouvi-los em inglês. Creio que, com essa leitura apaixonada, meu progresso foi muito rápido. Ficava contente quando eu fazia meu relatório com fluência. Mas o que ele dizia tinha importância especial, pois ele o ponderava para não errar, falava quase como se estivesse recitando. Tenho na lembrança aquelas horas como algo solene, diferente de quando ele brincava conosco no quarto das crianças, sempre inventando novas brincadeiras.
O último livro que ele me entregou pessoalmente foi sobre Napoleão. Escrito do ponto de vista inglês. Napoleão aparecia como o tirano malvado que queria dominar todos os países, especialmente a Inglaterra. Era o livro que eu estava lendo quando meu pai morreu. Minha antipatia por Napoleão desde então se manteve inabalável. Eu já havia começado a lhe fazer o relato do livro, mas ainda não estava muito adiantado. Ele o dera logo após o Guilherme Tell e, depois da conversa sobre a liberdade, era uma pequena experiência que ele fazia. Logo que comecei a falar, muito excitado, sobre Napoleão, ele disse: ”É melhor que você espere, ainda é cedo. Primeiro você terá que ler mais. Tudo ficará bem diferente”. Tenho certeza de que Napoleão, então, ainda não era imperador. Talvez fosse uma prova, talvez ele quisesse verificar se eu seria capaz de resistir à magnificência imperial. Terminei de lê-lo após a sua morte, e tornei a lê-lo inúmeras vezes, assim como a todos os livros que ele me deu. Até então eu quase não sentira o efeito do poder. Minha primeira impressão do poder deriva desse livro, e jamais pude ouvir o nome de Napoleão sem ligá-lo à morte súbita de meu pai. De todas as vítimas de Napoleão, para mim a maior e mais terrível foi meu pai".
CANETTI, Elias. Papel de parede e livros. Passeio à margem do Mersey. In. _____. A Língua Absolvida: história de uma juventude. São Paulo: Cia. das Letras, 2005, p. 49-52
LEITURA
Hoje é o dia da leitura. Sendo assim, resolvi publicar esse texto de Graciliano Ramos. Para mim é um dos mais emocionantes que li até hoje.
Demorei a atenção nuns cadernos de capa enfeitada por três faixas verticais, borrões, nódoas cobertas de riscos semelhantes aos dos jornais e livros. Tive a idéia infeliz de abrir um desses folhetos, percorri as páginas amarelas, de papel ordinário. Meu pai tentou avivar-me a curiosidade valorizando com energia as linhas mal impressas, falhadas, antipáticas. Afirmou que as pessoas familiarizadas com elas dispunham de armas terríveis. Isto me pareceu absurdo: os traços insignificantes não tinham feição perigosa de armas. Ouvi os louvores incrédulos.
Aí, meu pai me perguntou se eu não desejava inteirar-me daquelas maravilhas, tornar-me um sujeito sabido como Padre João Inácio e o advogado Bento Américo. Respondi que não. Padre João Inácio me fazia medo, e o advogado Bento Américo, notável na opinião do júri, residia longe da vila e não me interessava. Meu pai insistiu em considerar esses dois homens como padrões e relacionou-os com as cartilhas da prateleira. Largou pela segunda vez a interrogação pérfida. Não me sentia propenso a adivinhar os sinais pretos do papel amarelo?
Foi assim que me exprimiu o Tentador, humanizado, naquela manhã funesta. Em geral, não indagavam se qualquer coisa era do meu agrado: havia obrigações, e tinha de submeter-me. A liberdade que me ofereciam de repente, o direito de opinar, insinuou-me vaga desconfiança. Que estaria para acontecer?
Mas a pergunta risonha levou-me a adotar procedimento oposto à minha tendência. Receei mostrar-me descortês e obtuso, recair na sujeição habitual. Deixei-me persuadir, sem nenhum entusiasmo, esperando que os garranchos do papel me dessem as qualidades necessárias para livrar-me de pequenos deveres e pequenos castigos. Decidi-me.
E a aprendizagem começou ali mesmo, com a indicação de cinco letras já conhecidas de nome, as que a moça, anos antes, na escola rural, balbuciava junto ao mestre barbado. Admirei-me. Esquisito aparecerem, logo no princípio do caderno, sílabas, pronunciadas em lugar distante, por pessoa estranha. Não haverá engano? Meu pai asseverou que as letras eram batizadas daquele jeito.
No dia seguinte surgiram outras, depois outras – e iniciou-se a escravidão imposta ardilosamente. Condenaram-me à tarefa odiosa, e como não me era possível realizá-la convenientemente, as horas se dobravam, todo o tempo se consumia nela. Agora eu não tocava nos pacotes de ferragens e miudezas, não me absorvia nas estampas das peças de chita: ficava sentado num caixão, sem pensamento, a carta sobre os joelhos.
Minha mãe e minha irmã natural me protegeram: arredaram-me da loja e, na prensa do copiar, forneceram-me as noções indispensáveis. Arrastava-me, desanimado. O folheto se puía e esfarelava, embebia-se de suor, e eu o esfregava para abreviar o extermínio.
Isso de nada servia. Chegava outro folheto – e as linhas gordas e safadas, os três borrões verticais, davam-me engulhos. Que fazer? A lembrança do Côvado me arregalava os olhos. Mas ia-me pouco a pouco entorpecendo, a cabeça inclinava-se, os braços esmoreciam – e, entre bocejos e cochilos, gemia a cantiga fastidiosa que Mocinha sussurrava junto a mim. Queria agitar-me e despertar. O sono era forte, enjoo enorme tapava-me os ouvidos, prendia a fala. E as coisas em redor mergulhavam na escuridão, as ideias se imobilizavam. De fato eu compreendia, ronceiro, as histórias de Trancoso. Eram fáceis. O que me obrigavam a decorar parecia-me insensato.
Enfim consegui familiarizar-me com as letras quase todas. Aí me exibiram outras vinte e cinco, diferentes das primeiras e com os mesmos nomes delas. Atordoamento, preguiça, desespero, vontade de acabar-me. Veio o terceiro alfabeto, veio o quarto, e a confusão se estabeleceu, um horror de quiproquós. Quatro sinais com uma só denominação. Se me habituassem às maiúsculas, deixando as minúsculas para mais tarde, talvez não me embrutecesse. Jogaram-me simultaneamente maldades grandes e pequenas, impressas e manuscritas. Um inferno. Resignei-me – e venci as malvadas. Duas porém, se defenderam: as miseráveis dentais que ainda hoje me causam dissabores quando escrevo.
Sozinho não me embaraçava, mas na presença de meu pai emudecia. Ele endureceu algumas semanas, antes de concluir que não valia a pena tentar esclarecer-me. Uma vez por dia o grito severo me chamava à lição. Levantava-me, com um baque por dentro, dirigia-me à sala gelado. E emburrava: a língua fugia dos dentes, engrolava ruídos confusos. Livrara-me do aperto crismando as consoantes difíceis: o T era um boi, o D uma peruinha. Meu pai rira da inovação, mas retomara depressa a exigência e a gravidade. Impossível contentá-lo. E o côvado me batia nas mãos. Ao avizinhar-me dos pontos perigosos, tinha o coração desarranjado num desmaio, a garganta seca, a vista escura, e no burburinho que me enchia os ouvidos a reclamação áspera avultava. Se as duas letras estivessem juntas, o martírio se reduziria, pois, libertando-me da primeira, a segunda acudia facilmente. Distanciavam-se, com certeza havia colocação um desígnio perverso – e os meus tormentos se duplicavam.
Mocinha estranhou a pergunta. Não havia pensado que Terteão fosse homem. Talvez fosse. “ Fala pouco e bem: ter-te-ão por alguém”.
- Mocinha, que quer dizer isso?
Mocinha confessou honestamente que não conhecia Terteão. E eu fiquei triste, remoendo a promessa de meu pai, aguardando novas decepções".
RAMOS, Graciliano. Leitura. In: Infância. São Paulo: Record, 1982, p. 104-109.
"Serra responde à acusão de Dilma com um 'trololó"
A realidade da campanha eleitoral por vezes confere ao Brasil uma aparência de país irreal –espécie de romance de Cabral, com prefácio de Caminha.
José Serra, um dos protagonistas, esteve em Goiânia nesta segunda (11). Carregava atrás de si um par de dúvidas.
Ambiguidades resultantes de provocações feitas na véspera por Dilma Rousseff, a outra personagem do enredo sucessório.
No debate da TV Bandeirantes, Dilma levou aos holofotes dois nomes: Mônica Serra e Paulo Vieira de Souza.
Sobre a primeira, declarou: “Sua esposa, Mônica Serra, disse: ‘A Dilma é a favor da morte de criancinhas’. Acho gravíssima a fala da sua senhora”.
Quanto ao outro, Dilma afirmou: “Você deveria responder sobre Paulo Vieira de Souza, seu assessor, que fugiu com R$ 4 milhões de sua campanha”.
Em ambos os casos, Serra fingiu-se de morto no debate. Não se animou nem mesmo a sair em defesa de sua mulher.
Pois bem. Na passagem pela capital de Goiás, Serra viu-se compelido a dizer meia dúzia de palavras sobre o embate da Bandeirantes.
Declarou-se surpreso com a agressividade de Dilma. Com atraso, reportou-se à menção feita por sua rival a Mônica Serra:
"Ataque à família não é bom na campanha. Campanha é para discutir propostas, comparar candidatos, o que eles fizeram, o que vão fazer".
Absteve-se de esclarecer o teor da "gravíssima fala da sua senhora". Coisa pronunciada no mês passado, num corpo-a-corpo em Nova Iguaçu (RJ). Uma pena.
Tão grave quanto o “ataque à família” é a retórica da “morte de criancinhas”. A mulher de Serra, por ilustrada, decerto não ignora o significado de uma apelação.
Quanto a Paulo Vieira de Souza, um ex-gestor de obras do governo de São Paulo conhecido como Paulo Preto, Serra disse o seguinte:
"Eu não sei quem é o Paulo Preto. Nunca ouvi falar. Ele foi um factóide criado para que vocês [repórteres] fiquem perguntando".
Curioso, muito curioso, curiosíssimo. Serra empregou o mesmo vocábulo que Dilma usara ao comentar pela primeira vez o ‘Erenicegate’: “Factóide”.
É improvável que Serra desconheça Paulo Preto. Até abril deste ano, ele ocupou um posto estratégico do governo de São Paulo: diretor de Engenharia da Dersa.
Na gestão do governador Serra, o homem que o candidato Serra diz ignorar cuidava das grandes obras rodoviárias do Estado. Entre elas o Rodoanel.
Ex-chefe da Casa Civil de Serra, Aloysio Nunes Ferreira, agora senador eleito por São Paulo, mantém com Paulo Preto relações de amizade.
Ao tratar como “factóide” o sumiço de R$ 4 milhões supostamente coletados para nutrir as arcas de sua campanha, Serra desrespeita o eleitor.
Se verdadeiro, o episódio mereceria do candidato ao menos uma declaração protocolar em favor da investigação.
Se inverídica, a acusação de Dilma, recolhida de notícias penduradas nas manchetes, justificaria uma reação indignada.
O silêncio de Serra autoriza a rival petista a mimetizar a pergunta que o tucanato fazia em relação ao R$ 1,7 milhão do dossiê dos aloprados petistas de 2006.
Os grã-tucanos gostavam de inquirir: “De onde veio o dinheiro?”. O petismo está liberado para indagar: “Para onde foi a grana?”
[...]
No Brasil irreal –aquele país do romance de Cabral, prefaciado por Caminha— a fé constrói qualquer coisa.
No país cuja realidade é tinada pela dúvida, exige-se algo mais dos pretendentes à cadeira de presidente da República.
Para utilizar uma gíria ao gosto de Serra, não fica bem para um candidato contrapor a uma grave acusação da adversária uma resposta alicerçada em mero trololó.
Disponível em: http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/arch2010-10-01_2010-10. Acesso em 12.10.2010
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Dilma e a fé cristã
FREI BETTO
Achei interessante esse texto do Frei Betto e decidi publicá-lo aqui para que sirva de reflexão.
Em tudo o que Dilma realizou, falou ou escreveu, jamais se encontrará uma única linha contrária aos princípios do Evangelho e da fé cristã.
--------------------------------------------------------------------------------
--------------------------------------------------------------------------------
FREI BETTO, frade dominicano, é assessor de movimentos sociais e escritor, autor de "Um homem chamado Jesus" (Rocco), entre outros livros.
In: Folha de Opinião. Folha de São Paulo. São Paulo, domingo, 10 de outubro de 2010
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
O Sermão da Montanha - Versão para educadores
Tomando a palavra, disse-lhes:
– “Em verdade, em verdade vos digo: Felizes os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque eles...”
Pedro o interrompeu:
– Mestre, vamos ter que saber isso de cor?
André disse:
– É pra copiar no caderno?
Filipe lamentou-se:
– Esqueci meu papiro!
Bartolomeu quis saber:
– Vai cair na prova?
João levantou a mão:
– Posso ir ao banheiro?
Judas Iscariotes resmungou:
– O que é que a gente vai ganhar com isso?
Judas Tadeu defendeu-se:
– Foi o outro Judas que perguntou!
Tomé questionou:
– Tem uma fórmula pra provar que isso tá certo?
Tiago Maior indagou:
– Vai valer nota?
Tiago Menor reclamou:
– Não ouvi nada, com esse grandão na minha frente.
Simão Zelote gritou, nervoso:
– Mas porque é que não dá logo a resposta e pronto!?
Mateus queixou-se:
– Eu não entendi nada, ninguém entendeu nada!
Um dos fariseus, que nunca tinha estado diante de uma multidão nem ensinado nada a ninguém, tomou a palavra e dirigiu-se a Jesus, dizendo:
– Isso que o senhor está fazendo é uma aula? Onde está o seu plano de curso e a avaliação diagnóstica? Quais são os objetivos gerais e específicos? Quais são as suas estratégias para recuperação dos conhecimentos prévios?
– Fez uma programação que inclua os temas transversais e atividades integradoras com outras disciplinas? E os espaços para incluir os parâmetros curriculares gerais? Elaborou os conteúdos, conceituais, procedimentais e atitudinais?
Pilatos, sentado lá no fundão, disse a Jesus:
– Quero ver as avaliações da primeira, segunda e terceira etapas e reservo-me o direito de, ao final, aumentar as notas dos seus discípulos para que se cumpram as promessas do Imperador de um ensino de qualidade. Nem pensar em números e estatísticas que coloquem em dúvida a eficácia do nosso projeto.
– E vê lá se não vai reprovar alguém! Lembre-se que você ainda não é professor titular...
Jesus deu um suspiro profundo, pensou em ir à sinagoga e pedir aposentadoria proporcional aos trinta e três anos.
Pensou em pegar um empréstimo consignado com Zaqueu, voltar pra Nazaré e montar uma padaria... Mas olhou de novo a multidão. Eram como ovelhas sem pastor... Seu coração de educador se enterneceu e Ele continuou:
“Felizes vocês, se forem desrespeitados e perseguidos, se disserem mentiras contra vocês por causa da Educação. Fiquem alegres e contentes, porque será grande a recompensa no céu.
Do mesmo modo perseguiram outros educadores que vieram antes de vocês”.
Tomé, sempre resmungão, reclamou:
– Mas só no céu, Senhor?
– Tem razão, Tomé – disse Jesus – há quem queira transformar minhas palavras em conformismo e alienação...
Eu lhes digo, NÃO! Não se acomodem. Não fiquem esperando, de braços cruzados, uma recompensa do além. É preciso construir o paraíso aqui e agora, para merecer o que vem depois...
E Jesus concluiu:
– Vocês, meus queridos educadores, são o sal da terra e a luz do mundo...
O PROFESSOR DE GREGO
Acho sensacional esse texto do Manuel Bandeira.
“Ciro conta que:
─ Quando X assumiu o governo do Estado, tratou logo de colocar seus amigos, que eram numerosos e andavam bem esfomeados. A mudança de política permitiu demitir muita gente, que foi substituída pela gente do novo governador. Eis que, quando já não sobrava lugarão de encher os olhos e o bolso, chegou do interior do Estado mais um amigo do governador, amigo de infância a quem era impossível deixar de atender.
─ Mas também você se meteu naqueles cafundós, nunca mais deu notícia de si, ponderou o governador. Agora os melhores lugares já estão preenchidos. Em todo o caso, vou pensar no caso. Dê-me uns dias e apareça.
Três dias depois, o amigo voltou ao Palácio. Foi recebido com efusão.
─ Arranjei uma coisa ótima para você, disse o governador. Uma sinecura! Você vai ser professor de grego no Ginásio do Estado.
Afinal, na véspera de se encerrarem as matrículas, surgiu um desalmado que desejava aprender grego para ler Homero no original. O professor ficou aterrado e correu para o Governador. Queria a demissão imediatamente, para não ficar desmoralizado.
─ Arranje-me outra coisa, pediu aflito o amigo.
Não foi preciso outro lugar para o amigo do governador. Ele continuou como professor de grego. O aluno é que desistiu. Isto é, não desistiu, foi preso e expulso do Estado como comunista. A notícia se espalhou e nunca mais apareceu ninguém no Ginásio com veleidades de aprender grego.
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
A Hora do Cansaço
As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.
Pensá-las é pensar que ainda não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se torna, absoluta,
numa outra (maior) realidade.
Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos, por um ou outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.
Do sonho do eterno fica esse gosto acre
na boca ou na mente, talvez no ar.
O desafio de ler e compreender em todas as disciplinas
Por Rodrigo Ratier
No Brasil, um em cada dez brasileiros com 15 anos ou mais não sabe ler e escrever. Uma vergonha que encobre outras realidades não tão evidentes, mas igualmente dramáticas. Como o fato de que dois terços da população entre 15 e 64 anos é incapaz de entender textos longos, localizar informações específicas, sintetizar a ideia principal ou comparar dois escritos. O problema não é reflexo apenas de baixa escolarização: segundo dados do Instituto Paulo Montenegro, ligado ao Ibope, mesmo considerando a faixa de pessoas que cursaram de 5ª a 8ª série, apenas um quarto delas é plenamente alfabetizado. A conclusão é que, na escola, os alunos aprendem a ler - mas não compreendem o que leem.
É preciso virar esse jogo. Num mundo como o atual, em que os textos estão por toda a parte, entender o que se lê é uma necessidade para poder participar plenamente da vida social. Professores como você têm um papel fundamental nessa tarefa (leia o infográfico abaixo). Independentemente de seu campo de atuação, você pode ajudar os alunos a ler e compreender diferentes tipos de texto, incentivando-os a explorar cada um deles. Pode ensiná-los a fazer anotações, resumos, comentários, facilitando a tarefa da interpretação. Pode, enfim, encaminhá-los para a escrita, enriquecida pelos conhecimentos adquiridos na exploração de livros, revistas, jornais, filmes, obras de arte e manifestações culturais e esportivas.
O primeiro passo é firmar um compromisso: ensinar a ler é tarefa de todas as disciplinas, não apenas de Língua Portuguesa. É essa ideia que norteia esta edição especial de NOVA ESCOLA. Em todas as áreas, há aproximações possíveis com o tema. "Um professor de História deve ensinar que muitos textos da área têm uma estrutura cronológica e que é necessário identificá-la para entender a informação. O de Ciências precisa discutir como ler as instruções de experiências e ensinar a produzir relatórios, e o de Matemática, a interpretar problemas. A alfabetização plena requer que os estudantes saibam compreender e produzir textos específicos das disciplinas", explica a pesquisadora espanhola Isabel Solé, uma das maiores autoridades do mundo quando o assunto é leitura.
Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-continuada/desafio-ler-compreender-todas-disciplinas. Acesso em: 05.10.2010.
Sete motivos para um professor criar um blog
que a gente vê perdidas pelo mundo — real ou virtual
(Blog de Nelson Vasconcelos)
Nesse mundo da tecnologia, inventam-se tantas novidades que realmente é difícil acompanhar todas as possibilidades de trabalho que elas abrem para um professor. Recentemente, surgiu mais uma: o blog.
Mas o que vem a ser isso? Trata-se de um site cujo dono usa para fazer registros diários, que podem ser comentados por pessoas em geral ou grupos específicos que utilizam a Internet. Em comparação com um site comum, oferece muito mais possibilidades de interação, pois cada post (texto publicado) pode ser comentado. Comparando-se com um fórum, a discussão, no blog, fica mais centrada nos tópicos sugeridos por quem gerencia a página e, nele, é visualmente mais fácil ir incluindo novos temas de discussão com freqüência para serem comentados.
Esse gênero foi rapidamente assimilado por jovens e adultos do mundo inteiro, em versões pessoais ou profissionais. A novidade é tão recente; e o sucesso, tamanho, que em seis anos, desde o início de sua existência, em 1999, o buscador Google passou a indicar 114 milhões de referências quando se solicita a pesquisa pelo termo “blog”, e, só no Brasil, aparecem 835 mil resultados hoje.
No mundo acadêmico, por sua vez, esse conceito ainda é praticamente desconhecido. O banco de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) não apresenta nenhuma referência sobre o tema e, mesmo em buscas internacionais, são pouquíssimos os trabalhos a respeito do que se pode fazer com um blog nas escolas. Todas as referências encontradas estão no pé deste artigo.
Não é à toa que tantos jovens e adultos começaram a se divertir publicando suas reflexões e sua rotina e que tantos profissionais, como jornalistas e professores, começaram a entrar em contato com seu público e seus alunos usando esse meio de comunicação. No blog, tudo acontece de uma maneira bastante intuitiva; e não é porque a academia ainda não disse ao professor que ele pode usar um blog que essa forma de comunicação deve ser deixada de lado. Com esse recurso, o educador tem um enorme espaço para explorar uma nova maneira de se comunicar com seus alunos. Vejamos sete motivos pelos quais um professor deveria, de fato, criar um blog.
1- É divertido
É sempre necessário termos um motivo genuíno para fazer algo e, realmente, não há nada que legitime mais uma atividade que o fato de ela ser divertida. Um blog é criado assim: pensou, escreveu. E depois os outros comentam. Rapidamente, o professor vira autor e, ainda por cima, tem o privilégio de ver a reação de seus leitores. Como os blogs costumam ter uma linguagem bem cotidiana, bem gostosa de escrever e de ler, não há compromisso nem necessidade de textos longos, apesar de eles não serem proibidos. Como também é possível inserir imagens nos blogs, o educador tem uma excelente oportunidade de explorar essa linguagem tão atraente para qualquer leitor, o que aumenta ainda mais a diversão. O professor, como qualquer “blogueiro”, rapidamente descobrirá a magia da repercussão de suas palavras digitais e das imagens selecionadas (ou criadas). É possível até que fique “viciado” em fazer posts e ler comentários.
2- Aproxima professor e alunos
Com o hábito de escrever e ter seu texto lido e comentado, não é preciso dizer que se cria um excelente canal de comunicação com os alunos, tantas vezes tão distantes. Além de trocar idéias com a turma, o que é um hábito extremamente saudável para a formação dos estudantes, no blog, o professor faz isso em um meio conhecido por eles, pois muitos costumam se comunicar por meio de seus blogs. Já pensou se eles puderem se comunicar com o seu professor dessa maneira? O professor “blogueiro” certamente se torna um ser mais próximo deles. Talvez, digital, o professor pareça até mais humano.
3- Permite refletir sobre suas colocações
O aspecto mais saudável do blog, e talvez o mais encantador, é que os posts sempre podem ser comentados. Com isso, o professor, como qualquer “blogueiro”, tem inúmeras oportunidades de refletir sobre as suas colocações, o que só lhe trará crescimento pessoal e profissional. A primeira reação de quem passou a vida acreditando que diários devem ser trancados com cadeado, ao compreender o que é um blog, deve ser de horror: “O quê? Diários agora são públicos?”. Mas pensemos por outro lado: que oportunidade maravilhosa poder descobrir o que os outros acham do que dizemos e perceber se as pessoas compreendem o que escrevemos do mesmo modo que nós! Desse modo, podemos refinar o discurso, descobrir o que causa polêmica e o que precisa ser mais bem explicado ao leitor. O professor “blogueiro” certamente começa a refletir mais sobre suas próprias opiniões, o que é uma das práticas mais desejáveis para um mestre em tempos em que se acredita que a construção do conhecimento se dá pelo diálogo.
4- Liga o professor ao mundo
Conectado à modernidade tecnológica e a uma nova maneira de se comunicar com os alunos, o educador também vai acabar conectando-se ainda mais ao mundo em que vive. Isso ocorre concretamente nos blogs por meio dos links (que significam “elos”, em inglês) que ele é convidado a inserir em seu espaço. Os blogs mais modernos reservam espaços para links, e logo o professor “blogueiro” acabará por dar algumas sugestões ali. Ao indicar um link, o professor se conecta ao mundo, pois muito provavelmente deve ter feito uma ou várias pesquisas para descobrir o que lhe interessava. Com essa prática, acaba descobrindo uma novidade ou outra e tornando-se uma pessoa ainda mais interessante. Além disso, o blog será um instrumento para conectar o leitor a fontes de consulta provavelmente interessantes. E assim estamos todos conectados: professor, seus colegas, alunos e mundo.
Não é preciso dizer que, com tanta conexão possibilitada por um blog, o professor consegue ampliar sua aula. Aquilo que não foi debatido nos 45 minutos que ele tinha reservados para si na escola pode ser explorado com maior profundidade em outro tempo e espaço. Alunos interessados podem aproveitar a oportunidade para pensar mais um pouco sobre o tema, o que nunca faz mal a ninguém. Mesmo que não caia na prova.
6- Permite trocar experiências com colegas
Com um recurso tão divertido em mãos, também é possível que os colegas professores entrem nos blogs uns dos outros. Essa troca de experiências e de reflexões certamente será muito rica. Em um ambiente onde a comunicação entre pares é tão entrecortada e limitada pela disponibilidade de tempo, até professores de turnos, unidades e mesmo escolas diferentes poderão aprender uns com os outros. E tudo isso, muitas vezes, sem a pressão de estarem ali por obrigação. (É claro que os blogs mais divertidos serão os mais visitados. E não precisamos confundir diversão com falta de seriedade profissional.)
7- Torna o trabalho visível
Por fim, para quem gosta de um pouco de publicidade, nada mais interessante que saber que tudo o que é publicado (até mesmo os comentários) no blog fica disponível para quem quiser ver. O professor que possui um blog tem mais possibilidade de ser visto, comentado e conhecido por seu trabalho e suas reflexões. Por que não experimentar a fama pelo menos por algum tempo?
Antes de fazer seu próprio blog, vale a pena consultar as realizações de algumas pessoas comuns ou dos mais variados profissionais. Faça uma busca livre pela Internet para descobrir o que se faz nos blogs pelo mundo afora e (re)invente o seu!
Referências bibliográficas:
DICKINSON, Guy. Weblogs: can they accelerate expertise? Tese de mestrado em Educação da Ultralab, Anglia Polytechnic University, Reino Unido, 2003. Acesso em: 29 jul. 2005.
GENTILE, Paola. Blog: diário (de aprendizagem) na rede. Nova escola, jun./jul. 2004. Acesso em: 29 jul. 2005.
KOMESU, Fabiana Cristina. Blogs e as práticas de escrita sobre si na Internet. In: MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos. Hipertexto e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.
LEARNING and Leading with Technology. BlogOn, 2005. vol 32, n. 6.
*Betina von Staa é coordenadora de pesquisa em tecnologia educacional e articulista da divisão de portais da Positivo Informática. Autora e docente de cursos on-line para a COGEAE, a Fundação Vanzolini e o UnicenP, é doutora em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP.
Disponível em: http://www.educacional.com.br/articulistas/betina_bd.asp?codtexto=636. Acesso em: 06.10.2010
terça-feira, 5 de outubro de 2010
O Enem na berlinda
Para Maria Luiza Abaurre, ex-formuladora de questões da Unicamp, a concepção da avaliação se perdeu quando o exame passou a ter função também de vestibular.
Quem afirma isso é alguém que passou por duas grandes revoluções no vestibular brasileiro e conhece do riscado. Além de observar as mudanças hoje provocadas pelo Enem, a professora Maria Luiza Abaurre, formada em Letras e mestre em Teoria Literária pela Unicamp, era corretora de provas quando, em 1986, a Universidade de Campinas deixou a Fuvest para selecionar os alunos por meio de provas dissertativas que focavam a redação e a capacidade do aluno em argumentar. Durante 1992 e 1996, foi uma das responsáveis pela banca elaboradora de provas da Língua Portuguesa, aproveitando a experiência de lecionar no Ensino Médio de Campinas, cidade onde vive. Maria Luiza foi, também, assessora do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anisio Teixeira (Inep). Atualmente é coordenadora pedagógica de um colégio em Campinas, além de escrever livros didáticos para a Editora Moderna, entre os quais uma série sobre o aprendizado de gramática, produção de texto e literatura. Nesta entrevista ao jornalista Fernando Vives, Maria Luiza fala sobre os prós e os contras do Enem, comenta suas mudanças, e avalia como a ênfase no ensino de interpretação textual vai impactar a sala de aula.
Carta na Escola: O Enem pode selecionar alunos mais qualificados para as universidades, agora que se tornou também um exame seletivo?
Maria Luiza Abaurre: A proposta do Enem é boa, mas para o que ela serve é um problema. O Enem hoje não tem mais uma finalidade definida. A partir do momento que se estabelece a prova como processo de seleção para as universidades, mas ao mesmo tempo continua sendo uma prova não obrigatória, causa-se um impacto na concepção da avaliação. De repente, o Enem serve para selecionar alunos para universidades federais e particulares, certificar alunos e jovens adultos do Educação para Jovens e Adultos (EJA) e para indicar concessão de bolsas do ProUni. Pense como alguém que tem o desafio de elaborar essa prova, que tem duas finalidades. Primeiro, demonstrar conhecimento; segundo, selecionar os melhores ao vestibular, o que obriga as questões a apresentar um grau de complexidade que permita eliminar alunos. Porém, para a certificação de um aluno que concluiu o EJA, não é preciso elaborar uma questão que elimine ninguém, e sim saber o que o aluno aprendeu. São, portanto, coisas incompatíveis.
CE: Um vestibular moldado na interpretação de textos pode selecionar alunos mais qualificados?
MLA: Sim. Passei por uma experiência concreta quanto a isso na Unicamp, em 1986. O perfil dos alunos que chegavam mudou e as reações dos professores eram duas: uns gostavam muito, porque os novos alunos tinham maior disposição para questionar, e outros que achavam terrível, justamente pelo mesmo motivo. Idealmente, o aluno deve ser questionador mesmo. Aluno indagador estabelece relações com aquilo que ele já sabe. É isso que se pretende, pois o conhecimento é complexo, não linear, e não deve ser compartimentado como acontece na escola. Na realidade, no mundo, muitas vezes, precisamos articular várias áreas para entender o que está acontecendo. O ensino universitário baseia-se em muita leitura, e se um estudante não identifica na leitura a informação do texto, tem-se um problema. Um médico, por exemplo, ouve pacientes contando seus sintomas e estabelece um diagnóstico. Isso é interpretação de texto aliada aos conhecimentos dele. Mas, claro, trabalhar habilidade não é abrir mão de conteúdo.
CE: Especificamente sobre a concepção da prova, Enem e Ideb mudaram a relação da escola com a redação, uma vez que as questões passam a focar bastante em interpretação de texto. Como a senhora avalia isso?
MLA: É uma boa mudança. Podemos ver em dois ou três anos mudança interessante no perfil do aluno no Ensino Médio. Ele não oferece tanta resistência a textos mais longos, por exemplo. Acha que é natural extrair informações de um texto, pegar referências e chegar às respostas, sem que ele tenha um vasto conteúdo de antemão. Isso está na matriz do Enem. Um investimento maior na formação de competências associadas à leitura deve modificar o perfil do aluno, o que é muito bom. Em algumas regiões específicas do Brasil, no vestibular investia-se na avaliação direcionada na quantidade de informações que o aluno possuía ao concluir o Ensino Médio. As escolas agora têm de garantir que o aluno desenvolva determinadas habilidades, construa o saber fazer, e a partir daí estabeleça conceitos e articule informações. O problema é que isso ainda é estranho a muitos alunos.
MLA: O impacto do Enem não está restrito ao Ensino Médio. Sobretudo em Língua Portuguesa, o trabalho começa na priorização do aprendizado desde a educação básica. Trata-se de mudança profunda da concepção de ensino em sala de aula. A educação no Brasil, sobretudo nas Ciências Exatas, é fortemente voltada para a informação adquirida pelo estudante. Agora o Enem informa aos professores que os alunos precisam desenvolver habilidades, não só conhecimento. O que se prioriza agora é o saber fazer. É preciso saber o que é necessário para os professores colocarem isso em prática.
MLA: Depende da região do Brasil. No fim dos anos 1990, quando o MEC divulgou as novas diretrizes para a educação, já se dizia que a melhor estratégia de ensino era a de competências. Logo, isso não é novidade nos meios acadêmicos, já que a concepção nasce de especialistas que vêm daí. Como a avaliação dessas questões acaba mais centrada em alguns polos universitários, como as Universidades Federal de Pernambuco, de São Paulo, de Minas Gerais e Campinas, por exemplo, vamos ver na formação de professores em cursos próximos a esse polos o currículo já alterado e formandos que já se sentem confortáveis em lecionar competências e habilidades. Mas, longe desses centros, está longe de acontecer. O Brasil é grande, a tarefa é difícil.
CE: Houve melhora no índice econômico do brasileiro nos últimos anos. Esse avanço estendeu-se também ao conhecimento, à forma de se expressar?
MLA: Há várias. Para escrever, primeiro, o estudante precisa dominar a língua para se expressar, e isso não se obtém como um investimento focado na apresentação de normas e regras somente – e, por muito tempo, a Língua Portuguesa nas escolas foi mais voltada para a apresentação de normas do que para a análise do sistema no qual a língua se estrutura. E o aluno também tem de entender como essa língua funciona. Por que usar um ou outro conceito? Produzir textos significa arti-cular informações por meio de uma língua, não se escapa disso. Se você não articula bem através das ferramentas, por mais que as informações sejam excelentes, não vai conseguir desenvolver o texto.
Agora, uma alteração positiva que os professores podem fazer é trabalhar as estruturas dos gêneros, para que possam trabalhar melhor a linguagem. Imagine o professor que pede aos alunos que escrevam um conto de terror. Ao produzir um texto, a escolha que faço dos adjetivos é importantíssima. Através deles vou conseguir dar essa atmosfera de terror. E aí o aluno aprende a real função do adjetivo, por exemplo. Por muito tempo, a escola ignorou isso. Tomar contato com a variada gama de gêneros textuais faz a diferença. Se esse aluno não investir em conteúdo para inserir no texto, porém, não vai adiantar muito.
CE: As maneiras de interação social se baseiam, sobretudo, pelo gênero jornalístico. No entanto, existe uma diferença entre este e a redação escolar. Até que ponto isso se configura num problema para o aluno se expressar?
MLA: Ao dizer que são diferentes, estamos nos referindo a escolas que focam a dissertação tradicional. Quando a escola se abre para história em quadrinhos, coluna social, notícias e outros, discute as estruturas e leva em consideração o contexto em que circulam, facilita a compreensão de texto por parte dos alunos. Se o estudante tem hoje todo esse acesso e se pedem a ele que produza apenas a dissertação, a escola se fecha à sociedade. Lembro de um professor que citou um caso interessante. Ele pediu a cada aluno de uma classe que descrevesse a si mesmo. O resultado foi pífio. Então ele pediu aos estudantes que se descrevessem como no perfil do Orkut. Aí sim, a classe se empolgou e fez boas descrições.
CE: E quanto ao ensino de Literatura? Muitas vezes, o que se vê ainda é aquela velha prática do fichário, onde se estuda quem fez o quê e quando, somente…
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/carta-na-escola/o-enem-na-berlinda. Acesso em: 05.10.2010.