quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Veríssimo


Li,agora, no Zero Hora, essa crônica do Fabrício Carpinejar. Adorei!!!


Qual o maior cronista vivo? Luis Fernando Verissimo. Até no mundo dos mortos, ele se daria bem. Acredito que arrebataria o vice-campeonato, ficando somente atrás de Rubem Braga. A vantagem do capixaba seria simbólica, talvez pelo saldo de gols. Os dois foram fundamentais na definição do gênero no Brasil. O primeiro construiu toda a estrutura da crônica, diferenciando o texto leve e lírico do conto; o segundo confundiu tudo, aproximando a crônica novamente do conto com o uso perfeito dos diálogos.

E de quem sou interino? Luis Fernando Verissimo. Ao receber cumprimentos pela substituição, sempre penso que são pêsames. Minha culpa é explicar:

– Logo Luis Fernando volta, meu trabalho é aumentar a saudade dele.


Vejo que o jornal Zero Hora se dispõe a destruir minha carreira. Não há como sobreviver a sua interinidade. Mesmo que tocasse clarinete nas horas vagas e criasse um Jazz 7.

Ainda por cima, sou uma matraca, correndo graves riscos de dizer bobagem. Verissimo é o contrário: contido. Suas palestras são mímicas, dispensam a tradução para Libras. Os amigos falam por ele e ele retribui escrevendo pelos amigos. Um negócio perfeito.

Emudeci nos momentos em que abracei o autor. Permaneço quieto, e ele, quieto. É possível ouvir nossa respiração soletrada. Um repete o outro. Tudo bem? Tudo bem. Céu azul? Céu azul. Ele não sofre com o desespero. Não é problema de falta de assunto, é temperamento. Encontrar-se com Verissimo é entrar no elevador: ninguém solta um pio. É ter a solidão reembolsada com juros.

Ansioso, faço loucuras para romper o nervosismo, inclusive confessar os pecados. Como ele é célebre pela sua timidez, qualquer timidez em sua frente é uma imitação. Para ele, aquilo é rotina; para mim, é mal-estar. Praticamente impossível ser inteligente ao lado de um homem quieto.

Como não conseguirei vencê-lo na escrita, decidi superá-lo no silêncio. Precisava de muito treino. Experimentei dois dias longe de minha voz. Os filhos não compreendiam, sondavam que virei Hare Krishna. Não atendi telefone, e almocei e jantei calado.

Quando calculei que estava pronto, fui ao combate. Empreguei golpes baixos como piscar e pigarrear. Quase bati palmas perto de seus cílios. Ele se conservava imutável. Não mexia os braços e os lábios.

Uma hora e meia de completa meditação, e desisti, perguntei se tinha um lenço para secar o suor. Ele me alcançou do bolso de trás da calça. E, sem piedade, o cretino não proferiu nenhuma palavra de consolo. Não posso brincar de estátua com quem já é uma.


CARPINEJAR,Fabrício. In: Jornal Zero Hora, 21.10.2010

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