quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O PROFESSOR DE GREGO

Manuel Bandeira


Acho sensacional esse texto do Manuel Bandeira.

“Ciro conta que:

─ Quando X assumiu o governo do Estado, tratou logo de colocar seus amigos, que eram numerosos e andavam bem esfomeados. A mudança de política permitiu demitir muita gente, que foi substituída pela gente do novo governador. Eis que, quando já não sobrava lugarão de encher os olhos e o bolso, chegou do interior do Estado mais um amigo do governador, amigo de infância a quem era impossível deixar de atender.


─ Mas também você se meteu naqueles cafundós, nunca mais deu notícia de si, ponderou o governador. Agora os melhores lugares já estão preenchidos. Em todo o caso, vou pensar no caso. Dê-me uns dias e apareça.


Três dias depois, o amigo voltou ao Palácio. Foi recebido com efusão.

─ Arranjei uma coisa ótima para você, disse o governador. Uma sinecura! Você vai ser professor de grego no Ginásio do Estado.
─ Mas eu não sei nada de grego, nem quero saber!

─ Nem precisa saber. Pela última reforma de ensino, o grego é matéria facultativa, e há dois anos não aparece ninguém para estudar grego. Portanto, tudo que você tem a fazer é comparecer no princípio do mês para receber seus vencimentos.

O amigo achou ótimo e foi nomeado. Era aí por junho; até o fim do ano não houve dúvida na sua felicidade de comensal à mesa do orçamento do Estado. Mas no começo do ano seguinte principiou ele a temer que se apresentasse no ginásio algum rapazola extravagante com vontade de aprender grego. O professor ia à secretaria do Ginásio e indagava do secretário se entre os matriculados havia algum inscrito para a cadeira. O secretário, muito amável, respondia que não, mas que aqueles rapazes deixavam tudo para a última hora e era bem possível que o professor tivesse a satisfação de conseguir um aluno. Não sabia o secretário era justamente o que o professor não queria!

Afinal, na véspera de se encerrarem as matrículas, surgiu um desalmado que desejava aprender grego para ler Homero no original. O professor ficou aterrado e correu para o Governador. Queria a demissão imediatamente, para não ficar desmoralizado.

─ Arranje-me outra coisa, pediu aflito o amigo.

─ Calma homem. Não vá ao Ginásio na primeira semana. Raro é o professor que vai. Até lá é possível que o matriculado desista do grego. Passe por aqui dentro de uma semana. Verei o que se pode fazer.

Não foi preciso outro lugar para o amigo do governador. Ele continuou como professor de grego. O aluno é que desistiu. Isto é, não desistiu, foi preso e expulso do Estado como comunista. A notícia se espalhou e nunca mais apareceu ninguém no Ginásio com veleidades de aprender grego.

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